Capítulo 3

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Depois de uma noite turbulenta no número 54 da Rua da Hera, o sol levanta-se e impõe-se por entre as nuvens densas, como um deus sobre a tempestade. Os pássaros cantam, ingénuos ao sucedido na noite anterior. Um sábado de ar quente e sufocante instala-se. A alegria das crianças que brincam na rua, dos cães que passeiam com os donos, dos casais que aproveitam o calor, parece transformar-se em rancor e constrangimento ao atravessar as paredes cobertas de humidade da casa de Dona Maria Beatriz.

Às 10hrs da manhã o telemóvel de Inês toca. É uma mensagem de Carolina, a melhor e talvez única amiga da jovem:

"Mal acordes liga-me! Tive grande ideia mesmo!!!"

Apesar de não ter pregado olho e de não estar com paciência para a boa disposição da amiga, Inês liga após algumas hesitações.

"-Então amiga?! Não te acordei pois não?

-Não Carol, não te preocupes. Conta lá a ideia...

-Estive a pensar e como amanhã faço anos pensei em vires cá dormir, pedimos umas pizzas, vemos uns filmes... A Bárbara já confirmou e diz que traz as bebidas. E como é óbvio não quero passar a meia noite longe da melhor amiga do mundo"

Nesse momento Inês bloqueia. Para além de se ter esquecido do aniversário da melhor amiga, ainda recebe um elogio como sendo a maior amiga que Carolina alguma vez teve.

"-Sabes o que é Carol? É que ainda tenho o trabalho de Filosofia para acabar e não sei se...

-Ai nem acabes a frase! És a minha melhor amiga, faço 19 anos, a tua presença é o mais importante!! As 21hrs em minha casa. Ate logo.

-Está bem tens razão... Beijinhos"

Inês deixa-se ficar mais uns longos minutos na cama. - Não estou com grande disposição para festas, mas ela merece e talvez me faça bem. - Pensa em voz alta.

Levanta-se, toma banho. Prepara o almoço. Toda a refeição é passada quase em total silêncio. Silêncio esse que apenas é quebrado por alguns suspiros que as três vão soltando, meio como um desabafo de tanta coisa que se quer dizer, mas não se sabe como.

Inês aproveitou a tarde para comprar uma lembrança para a amiga, uma camisola cor de vinho com um corte que claramente agradará à aniversariante. Sofia acompanhou a irmã até ao shopping.

-Sofia, olha, quanto àquilo que aconteceu ontem, não tens que te preocupar... A mãe está bem, foi só uma pequena discussão e isso é natural entre casais.

A irmã apenas assente com a cabeça.

-O que foi que ouviste? - Insiste a irmã mais velha.

-O que é que a mãe nos está a esconder?

-Nada! Nada Sofia, que ideia é essa? Tu conheces a mãe, sabes que entre nós não há segredos nenhuns. - Segue-se uma troca de olhares, como se Inês procurasse o consentimento da irmã para que ela própria acreditasse no que acabara de dizer - Olha, quando as pessoas bebem dizem coisas sem pensar e tu sabes que o Carlos tem um problema com a bebida... Mas não te preocupes eu estou aqui.

Com o passar da tarde, Sofia foi esquecendo o incidente da noite passada, não tão infrequente como é desejado. Apesar de tantas desavenças entre as duas irmãs, o amor entre ambas é notório e Inês faz os possíveis e impossíveis para proteger a filha mais nova de Dona Maria Beatriz.

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-Mãe, vou dormir a casa da Tia Júlia. A Inês vai levar-me.

-Eu vou dormir a casa da Carolina. Adeus mãe.

A Sombra do meu DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora