Cap 6. - Uma situação desesperadora

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Lembranças de um dia triste

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Abreu, após sair da casa de Matteo com os explosivos, percebeu que a camada estava estranhamente silenciosa e deserta. Todos os habitantes deviam estar concentrados na praça central para o sacrifício. Respirando fundo, ele acelerou o passo, correndo pelas pontes suspensas que oscilavam sob seus pés, cada movimento amplificado pela brisa gélida do abismo.

Enquanto se apressava, e pensava em Silvério, sentiu seus pensamentos o puxarem para outro dia. O dia em que o padeiro ruivo, Silvério, o encontrara em seu pior momento.

Aquele dia marcou o fim de mais uma assembleia dos habitantes da Camada 0, mas, para Abreu, foi o início de uma tempestade que ele nunca poderia esquecer. Impulsionado pela frustração e pela vontade desesperada de mudança, ele ousou, pela primeira vez, desafiar as tradições que todos seguiam cegamente. Com a voz trêmula, mas determinada, sugeriu que nem todos os ensinamentos da igreja deviam ser tomados como verdade absoluta. As palavras mal haviam saído de sua boca quando a assembleia se transformou em um caos furioso. Em vez de ouvirem suas razões, gritos de ódio e indignação o cortaram como lâminas. Os anciãos, com olhos cheios de desprezo, o agarraram sem piedade, amarrando-o sob a imponente estátua de Cristo, enquanto o chamavam de herege. O resto dos moradores, em um frenesi cego, o atacou com fúria, atirando objetos e palavras cruéis que ressoavam como marteladas

Quando finalmente foi solto, caminhando machucado, sujo e sozinho pela cidade sombria, Abreu não conseguiu segurar as lágrimas. As palavras que havia tentado compartilhar com esperança de mudar algo haviam sido transformadas em armas contra ele. Sentia-se um completo estranho, um pária em sua própria casa. Sentado em um canto escondido, longe dos olhares julgadores, ele chorou.

Foi então que ouviu passos suaves se aproximando. Ao levantar a cabeça, viu Silvério — com seus cabelos ruivos bagunçados e as mãos ainda sujas de farinha. Ele havia descido à Camada 0 naquele dia para entregar pães, mas ao ver Abreu naquela situação, largou tudo o que estava fazendo e se aproximou.

— Ei, o que aconteceu? — Silvério perguntou, ajoelhando-se ao lado de Abreu, sua voz cheia de ternura.

Abreu tentou falar, mas as palavras ficaram presas na garganta. As lágrimas escorriam silenciosamente por seu rosto, e ele não sabia como explicar o que sentia

Silvério não disse nada de imediato. Em vez disso, sentou-se ao lado dele e o envolveu com um braço forte, puxando-o para um abraço firme e reconfortante. Abreu se permitiu relaxar nos braços do padeiro, sentindo o calor que irradiava de Silvério, uma presença sólida e reconfortante que parecia, naquele momento, ser a única coisa que o impedia de desmoronar completamente.

— Eu sei que dói — disse Silvério, sua voz baixa, como se falasse com o maior cuidado do mundo. — Sei que às vezes parece que ninguém entende. Mas pelo menos uma pessoa você tem, eu estou aqui, e vou estar aqui, sempre.

Abreu fungou, ainda sem saber o que dizer. Silvério, percebendo o silêncio, retirou uma fatia de pão do saco que havia trazido consigo e a estendeu para Abreu, com um sorriso suave nos lábios.

— Tome — ele disse. — Um pedaço de pão resolve muita coisa. Não tudo, mas... é um bom começo.

Abreu riu, apesar das lágrimas. Pegou o pedaço de pão e o mordeu, sentindo o sabor simples, mas reconfortante. E naquele momento, com Silvério ao seu lado, parecia que, apesar de todo o caos e a dor, ele ainda tinha uma coisa.

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