Cap. 8 - Sussurros da floresta

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O padre e a caipora

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O som das folhas farfalhando ao redor trouxe o padre Ezequiel de volta à realidade. A penumbra da floresta o envolvia por completo, exceto pelas luzes suaves que emanavam de vagalumes preguiçosos à sua volta, a sua ultima lembrança era a de estar a caminho da camada 0, e não sabia ao certo ainda se havia sido uma alucinação do abismo, mas lembrava-se também da imagem da estranha criatura a sua frente, porém uma caipora ali, parecia completa loucura.

Ele tentou mover-se mas percebeu que estava firmemente amarrado por cipós. Se encontrava sentado no centro de uma clareira, envolto por dezenas de minúsculas construções que se assemelhavam a casas de smurfs, porém seria loucura pensar que um desenho que ele assistia nos anos 90 existiria ali dentro do abismo, assim como seria loucura ele ter encontrado uma caipora, "algo nesse abismo deve estar mexendo com minha cabeça", ele pensou tentando soltar-se dos cipós.

Vendo a inutilidade de seus esforços, devido a complexidade dos nós nos cipós que estava amarrado, deixava Ezequiel ainda mais nervoso, à medida que seus olhos se acostumavam a penumbra da floresta, ele observa melhor os detalhes das casinhas ao seu redor.

Todas as pequenas habitações eram construídas nas raízes retorcidas das árvores, e integradas à natureza que pareciam fazer parte do próprio solo. As copas das árvores gigantescas estendiam-se como um manto sobre a vila, iluminadas por vagalumes que ainda rodavam.

Ezequiel continuava absorto no silêncio do local, quando sentiu algo pulando sobre sua cabeça, e em seguida para seu peito, da penumbra, pequenos olhos vermelhos surgiram o observando curiosamente.

Não demorou até encontrar-se rodeado de pequenas criaturas que o cutucaram e analisavam. Pequenos seres ágeis e encapuzados de olhos vermelhos brilhantes e movimentos tão rápidos que pareciam desaparecer no ar dentro de pequenos redemoinhos. Eles se moviam silenciosamente, como sombras, e ao mesmo tempo, ele podia sentir que o avaliavam com curiosidade e cautela.

— Não me machuquem... por favor — Conseguiu falar o padre tremendo de medo - Não é possivel, não pode ser real.

— Os sacis não machucam ninguém, eles só gostam de brincar, a não ser que você mexa com um deles

A voz que falou das sombras, surgiu diante de Ezequiel emergindo cuidadosamente, era da pequena Caipora que o encontrara, a mesma criatura coberta de musgo e folhas, apesar da postura curvada. Seus olhos brilhavam com uma sabedoria ancestral.

Ezequiel paralisou por alguns momentos, sem encontrar palavras, e sem saber como reagir aquela presença, até finalmente conseguir balbuciar algumas palavras.

— Eu não sei se isso é uma alucinação ou um sonho mas... preciso chegar na cidade da camada 0, algo terrível está para acontecer - Tentou falar entre soluços ainda receio notando estar cercado das criaturas

A caipora pulou em cima do peito dele, as pequenas garras agarrando a sua batina de padre.

— Escute com atenção, esta floresta, padre, nasceu da dor e do poder dos deuses aprisionados. — A voz da Caipora reverberava nas árvores. — A camada 0 é onde o Vaticano aprisiona as divindades dos povos indígenas da terra que o homem branco chamou de América. Por séculos, essa floresta cresceu alimentada por sua energia, suas lágrimas. porém, aqui não deixa de ser uma prisão.

O jovem padre franziu o cenho assustado, tentando assimilar as palavras da caipora que falava próximo ao rosto dele. Ele sempre soubera que algo sombrio e poderoso existia no abismo, mas isso... isso era muito mais do que imaginara.

— E agora, tudo está... desestabilizado? — A voz de Ezequiel soava rouca, como se a própria floresta drenasse sua energia enquanto falava.

A Caipora assentiu lentamente, o musgo em seu corpo balançando como uma extensão da própria vegetação.

— Desde a chegada do Cardeal Magnus, tudo se desequilibrou. Ele não está aqui apenas para realizar um sacrifício, padre. Ele deseja absorver o poder das divindades. Se completar o ritual, o poder dele será ainda mais forte, não apenas sobre a camada 0, mas sobre cada nível do abismo, e nós nunca conseguiremos sair daqui.

Um calafrio percorreu a espinha de Ezequiel. Ele não era um homem de confrontos, mas soubera desde que deixara o Vaticano que havia algo de profundamente errado nas ações de Magnus. Agora, parecia que o destino de todos, não apenas da camada 0, mas de todo o abismo, estava nas mãos do Cardeal.

— Meu único plano era conversar com o Cardeal, e tentar convencê-lo dessa loucura, mas tudo isso é demais, está além da minha compreensão — A voz de Ezequiel vacilou

A Caipora deu mais um passo em sua direção, a intensidade de seus olhos verdes agora quase hipnotizante. — Precisamos que você detenha o ritual. — Suas palavras eram firmes, mas havia uma urgência ali, como se soubesse que o tempo estava se esgotando. — Mas precisará de ajuda.

Ezequiel fechou os olhos por um momento, absorvendo aquelas palavras.

— Isso não é real, eu preciso acordar... - ele sussurrou para si mesmo, porém quando abriu os olhos a caipora ainda estava ali, agora mais perto de seu rosto.

Ela inclinou-se para frente, estendendo uma de suas mãos cobertas de musgo na direção de Ezequiel. — Existem três jovens lá embaixo, na camada 0. Eles lutam contra uma força sombria que possuí a estátua... uma entidade maligna desperta pelas mãos do Cardeal. Eles estão em desvantagem, padre, e precisam de ajuda. — Sua voz reverberava nas árvores, quase como se a própria floresta estivesse sussurrando para Ezequiel.

— Eu sou apenas um padre... se tudo isso é realmente real, eu não sei mais onde depositar minha fé — Ezequiel mal podia acreditar no que estava ouvindo. Ele era alguém que sempre evitara o confronto, que nunca empunhara uma arma. E agora, estava sendo chamado para entrar em uma batalha que mal compreendia.

— Se você não fizer, o destino de todos está perdido, dos habitantes da camada 0, e de nossa liberdade — Com um gesto fluido, ela estendeu a mão sobre o peito de Ezequiel, e em um toque sutil, ele sentiu uma onda de energia pura atravessar seu corpo. Era como se a própria essência da floresta estivesse se fundindo a ele, fortalecendo-o, mudando-o.

Ezequiel arfou com o impacto daquela energia. Ele sentiu a força fluindo por suas veias, um poder ancestral, tão antigo quanto as raízes que sustentavam aquela vila.

— Leve o poder da floresta com você, Ezequiel — continuou a Caipora, com uma voz grave. — Use-o para deter o Cardeal Magnus e salvar os jovens. se a estatua for destruída, poderemos finalmente adentrar na camada 0, e dar inicio ao primeiro passo para nossa fuga desse abismo.

Com os olhos arregalados, o coração acelerado e sem escolhas, ele apenas assentiu.

Próximo capitulo: Aguardem ansiosos, domingo.

Deuses do VaticanoOnde histórias criam vida. Descubra agora