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     𝔸 luz do sol, vindo das frestas das tábuas de madeira, me despertou todas às vezes que acordei no mesmo quarto desconhecido. Acabei adormecendo, cansado de tentar destrancar a porta ou arrombar a janela. Meu ódio também se esfriou, dando lugar à fraqueza e dor.

Dois dias se passaram sem água ou comida desde aquela noite, e não consegui me conectar com o cristal. Imaginei que, com um pouco de esforço talvez conseguiria, mas não aconteceu.

Repassei todos os meus passos e tentei ver meus erros, detalhes perdidos. A verdade eu já sabia: não deveria ter voltado ao orfanato. Deveria ter ficado onde eu estava. Me recuso a imaginar o que Eivin pensaria se soubesse.

Ainda deve haver um jeito de acabar com o kohan. Darei um jeito.

Estou sentado à ponta da cama. A cera da vela derreteu e endureceu no castiçal há tempos. Durante o dia, a visão do cômodo é mais clara. Não sei quanto ao resto da casa, mas parece que ninguém vem aqui há anos.

Nada nas gavetas do criado mudo. O armário também está vazio e empoeirado, tudo o que possui são alguns insetos mortos e mofo.

Me levanto rapidamente quando ouço a fechadura se destrancar, a porta range ao se abrir.

Mantenho a postura rígida, a expressão mais inabalável que consigo, o que não é muito para meu estado. Ele não vai me convencer nem com isso. É o fato que quero transmitir.

Novamente, ele não está. A janela não faz um som. Não é como a noite de dois dias atrás, é outro tipo de armadilha.

Inclino o corpo na direção da saída. O corredor está claro apesar de não possuir janelas. Há duas portas à direita e uma à esquerda, todas de madeira. Nenhum sinal do kohan.

Dou passos cautelosos para fora do quarto, checando se ele realmente não está. Deve estar escondido em algum lugar pronto para me atacar.

Ainda alerta, sigo em linha reta e me deparo com uma escada de madeira tão podre quanto as tábuas do quarto. Hesito por segundos antes de descer, meus pés afundam um pouco a cada degrau.

O andar de baixo é pouco maior comparado aos cômodos que passei nessa casa. A porta de saída está trancada, janelas de vidro mais altas iluminam o andar um pouco melhor. Penso em quebrar uma delas e ir embora, porém ainda preciso achar o cristal e descobrir quem criou a Bolha que o envolve.

Há uma mesa de jantar pequena com apenas duas cadeiras. Louças de metal estão em cima de um balcão entalhado com linhas onduladas, insetos rastejam para fora de uma fornalha escura de pedra, um jarro com água está sobre uma prateleira.

A ardência na garganta que eu estava tentando ignorar vem com mais intensidade. Tento me conter, pensar que a água possa estar contaminada, mas a sede é tanta que acabo cedendo. Pego um copo das louças e despejo a água aparentemente limpa. Inodora, insípida.

Após tomar o que penso ser o suficiente, procuro algum alimento nas gavetas. Qualquer coisa para recuperar as energias, para não deixar o plano do kohan de me enfraquecer escalar mais um passo.

Como esperado, nada nos armários ou gavetas, ou em qualquer lugar. Ele não deixaria tão fácil. Lembro-me dos outros cômodos no andar de cima, penso se lá teria algo útil.

Subo às escadas e tento abrir as portas. Apenas duas delas estão destrancadas: um banheiro minúsculo intocado há tempos e um escritório incrivelmente caótico.

Indiferentemente dos outros cômodos, a poeira não deixa o lugar. Pilhas de livros pelo chão, alguns abertos em páginas que estou longe demais para ler; papéis rasgados e amassados sobre uma escrivaninha, a pena e o tinteiro que eu já imagino ter secado.

A Queda de AhasaliaOnde histórias criam vida. Descubra agora