Peônia

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*A peônia, flor mítica na China e no Japão, tem vários significados e simbolismos, desde amor, amizade, beleza, riqueza, vergonha ou honra.

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Havia uma cafeteria na curva da Avenida Paulo VI, na Pituba, onde os cafés eram decorados, diferentes, de vários tipos, e o espaço era agradável, discreto, com uma música de rádio adulto contemporâneo embalando a rotina de estudantes que aproveitavam o espaço para estudar; ou trabalhadores digitais com seus notebooks abertos; ou mesmo as duas pessoas que se encontravam ali, aguardando pelo café e o doce.

A moça, sentada, observando o borbulhar da água com gás em seu copo de vidro, às vezes olhava de soslaio o homem à sua frente na mesa, um tanto nervoso – para a surpresa dela – e aguardando a chegada da garçonete.

Ele continuava tão ou mais bonito quanto há três anos. Havia algo de diferente em Ramiro, porém, e Lírio se recordou dos sonhos que tinha que o envolviam.

Ramiro estava parecido com o "Ramiro" que aparecia em seus devaneios.

Sentado em frente à mesa, escolhendo os pedidos, Ramiro parecia alheio aos olhares das outras pessoas em torno de sua figura, vinda diretamente – de maneira estranha para Lírio – de algum dos livros que a professora andava lendo. Olhou de soslaio para o publicitário, que arrumava o terno preto, que parecia sob medida, a tal ponto que nem mesmo aquela roupa, aliada com a camisa social preta, conseguia disfarçar os músculos visíveis do braço. As roupas eram do tamanho perfeito para ele, mas Ramiro era tão grande, tão imponente, com os ombros mais largos, os braços fortes, as costas eretas, as mãos grandes, firmes, que a impressão de Lírio era simples: três anos o fizeram mais perigoso, o que para a jovem não fazia sentido.

Ele era um publicitário, não um personagem de "Corrompida".

Lírio notou, enquanto fingia contemplar o próprio celular, que Ramiro estava com uma barba fechada, diferente de três anos antes. Sua aparência lhe parecia um pouco mais grave e mais tensa, mas era indisfarçável que mesmo de barba, ele continuava bonito. Não da forma clássica, como ela via nos livros, mas ainda com aquela beleza meio rústica, descuidada, com os cabelos meio desarrumados, aquele nariz longo, grande, agressivo, era ainda mais atraente para ela.

De longe, a presença de Ramiro poderia parecer rude, mas ela sabia sobre sua habilidade de conversar, seu charme natural; ele sabia como agir, só não soube como agir com Lírio.

Assim que a garçonete chegou com os cafés e os acompanhamentos – um bolo de chocolate com cobertura de limão para Lírio, um quiche de gorgonzola para Ramiro, ele se viu espiando com o canto do olho cada movimento da jovem. O jeito de ela segurar o canudo para tomar o frapuccino, os cortes lentos do pedaço de bolo, a maneira como ela ajeitava os óculos mesmo que estivessem plenamente arrumados em seu rosto.

O movimento dos ombros para deixar os longos cabelos para trás, uma massa de cachos imensa, tal e qual ele imaginava nos sonhos mais secretos que a envolviam.

"Ramiro, você não está aqui para falar sobre sonho, e sim pra pedir desculpas!"

Contudo, era impossível ignorar cada pedaço – cada pétala – da flor que estava à sua frente. O detalhe de parte da fita rosa-claro que ele havia visto, amarrava parte do cabelo dela atrás; a alça fina, de babados, do vestido na cor pérola, que tinha babados no decote reto ("por que não é como nos sonh... pare de pensar nisso!"), e o vestido era longo, leve, chegando até o tornozelo, onde ele viu de relance os detalhes do pé delicado de fada em uma sandália fina, de alças.

Respirou fundo e bebeu um longo gole de água. "Eu pedi café e estou bebendo água!"

- O que você queria falar comigo?

LírioOnde histórias criam vida. Descubra agora