Capítulo 1 - Um passarinho engaiolado

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Antes mesmo que o sol pudesse surgir no horizonte, Ella já estava de pé. Os cabelos loiros presos em um penteado simples, mas ainda bonito, um vestido marrom simples de mangas longas, e sapatilhas pretas, não lembrava em nada a Ella de dez anos atrás.

Com um suspiro a garota se olhou no pequeno espelho quebrado em seu quarto, se é que aquele sótão poderia ser chamado de quarto. Malvina e suas filhas fizeram questão de que ela não dormisse mais em seu antigo quarto, assim que seu pai morreu, esperava receber algum tipo de conforto em seu luto, mas tão pouco não foi expulsa de casa.

— Você tem sonhos Ella, não desista deles! — repetiu a fala de sua mãe. Sonhava em recuperar sua casa, o jardim quase morto de sua mãe, e sonhava ainda mais em poder ser livre de todas aquelas obrigações.

Desceu as escadarias da casa cantarolando uma canção de ninar que sua mãe cantava, bom, ao menos as partes que Ella se lembrava, parando apenas para calçar o sapato novamente, era seu número, mas estranhamente vivia saindo de seu pé. Começou os preparos para o café da manhã e em seguida partiu para os fundos da grande casa, não possuíam mais tantos animais quanto antes, apenas umas poucas galinhas que restaram siscavam no chão. Ella pegou um balde o enchendo com água, teria que lavar todas as escadas e o salão de festas, não queria nem pensar em entrar no quarto de Lilian e Anastácia, deveriam estar em um puro caos.

Com uma lembrança distante dos dias felizes em que havia vivido na casa, a garota começou a limpar o chão da sala de estar. Aquela casa não parecia em nada a sua casa, outrora cheia de vida, não passava agora de um grande eco vazio e cinza. Depois da morte de seu pai, a casa Monclair foi passada para Malvina, e como se a mulher não sentisse nada, de forma fria demitiu um por um dos empregados, gastou cada tostão com vestidos caros, sapatos da moda, joias e mais joias, e como consequência, quase não havia sobrado nada da grande fortuna de Ella. Como não haviam mais empregados, Ella foi encarregada de cuidar de tudo em troca de viver na casa.

Suspirou, deixando seus pensamentos voarem longe, a janela que dava para o jardim de sua mãe, um aperto em seu peito sempre surgia quando Ella olhava para ele, a memória de sua mãe estava aos poucos se esvaindo juntamente com o jardim. Ervas da ninha cobriam quase tudo, as rosas não eram mais tão vivas, não era mais o jardim de Alicia. Ela queria tanto se dedicar ao refúgio de sua mãe, mas como o faria? Estava sempre ocupada com as coisas da casa, e sempre que parecia surgir algum tempo, Malvina a encarregava de outra tarefa. Tudo naquela casa parecia pouco a pouco, morto.

— Ella! — a voz estridente de Malvina ecoou por toda a casa. — O café da manhã já está pronto?

— Já vou servi-lo, senhora. — respondeu. Não precisava elevar a voz, a casa era tão vazia que aquilo não era necessário.

Levantou sentindo o peso de suas obrigações em seus ombros, limpou as mãos no velho avental branco que usava, indo para a cozinha. Malvina era uma mulher exigente e amarga, e suas filhas seguiam a risca o mesmo caminho. As Drakov pareciam acreditar que o mundo lhes devia todo o luxo e conforto que poderia existir, cada uma vivia em seu próprio mundinho de luxos, usavam os vestidos mais nobres que o dinheiro podia comprar, os sapatos eram como uma competição de quem possuía os mais bonitos, as joias.... Oh, as joias, eram o orgulho das Drakov.

Ella se perguntava, quanto tempo mais duraria toda a farça daquela família? Andavam pelo vilarejo como se fossem damas da alta sociedade, mesmo que a fortuna Monclair estivesse quase que totalmente extinta.

Os movimentos de Ella eram ágeis, como se informassem que aquilo era uma rotina de anos, se quer precisava realmente prestar atenção no que fazia. Esquentava um bule de chá no fogo quando o baque alto na porta da cozinha quase a fez queimar as mãos em um susto. Era Lilian, usando um vestido exageradamente verde, os lábios pintados em um vermelho chamativo demais para a pele pálida, e os cabelos presos em um laço verde, que se fosse um pouquinho maior, poderia ser do tamanho da cabeça de Lilian.

— O café ainda não está pronto? — Lilian perguntou com desdém — Minha mãe tem pegado muito leve com você. Deveria ser mais agradecida, Ella, você tem sorte que mamãe deixa que você more aqui, se fosse por mim...

Ella mordeu a língua. Lilian sempre fora a mais cruel entre as duas irmãs postiças, era uma cópia perfeita de Malvina! Se aproveitava de qualquer situação para lembrá-la de sua posição social naquela casa, na sua casa.

— Já está quase tudo pronto, senhorita. — respondeu, mantendo a voz baixa e educada.

— Apresse-se, Cinderela.

Com um sorrisinho maldoso, Lilian saiu da cozinha, provavelmente indo se arrumar para mais um dia de compras, as quais não poderiam bancar. Cinderela, aquele era o apelido que havia recebido das irmãs postiças, por conta de ser a única a cuidar da casa, sempre estava com alguma mancha de sujeira, e aquele era o nome da pobre Ella dentro da casa Monclair.

────⊱◈◈◈⊰────

Ella serviu a mesa, de forma impecável, e saiu da sala de jantar de forma discreta, antes que as Drakov aparecessem para o desejum. Ela sabia que aquele não era mais o seu lugar, não era à mesa, era apenas como uma empregada da grande casa.

Não estava com fome para comer algo, então decidiu ir até o estábulo ver Veloz, o cavalo tão amado de seu pai, era a única coisa que a mantinha conectada com Robert, sentia falta de cavalgar com seu pai todo final de tarde, os outros cavalos haviam sido vendidos para aumentar os atos consumistas de Malvina e suas filhas. Assim que avistou o cavalo de pelagem castanha e manchas brancas, o animal deu um relincho contente, ele também estava com saudades de Ella.

— Olá, Veloz! — sorriu, acariciando o focinho do cavalo — Você também sente falta de ter liberdade não é?

Como se a entendesse, Veloz relinchou novamente batendo os cascos no chão terroso.

— O que você acha de um pequeno passeio? A madrasta não precisa saber que vamos dar uma voltinha, não é?

Ainda com um sorriso no rosto, Ella encilhou o cavalo que parecia tão animado quanto ela, e em rápidos galopes, saíram do estábulo e logo da residência Monclair. Ella fechou os olhos por um instante, sentindo o vento gélido contra seu rosto, a breve sensação de liberdade a atingiu com força.

Não demorou a estar na floresta pouco antes das ruas movimentadas do vilarejo, os pássaros cantavam em alegria, o sol da manhã deixava a floresta com um ar aconchegante para Ella. Se assustou quando ouviu um galho sendo quebrado, virando de vez com Veloz, encontrou apenas um jovem rapaz, parecia pouca coisa mais velho que si, as feições delicadas como as de um nobre, e as vestimentas de equitação, apenas fez com que Ella pensasse que o rapaz fosse um jovem nobre do vilarejo.

— Perdão se a assustei, não foi minha intenção — a voz gentil do rapaz foi seguida por uma breve reverência, ainda em cima do cavalo de pelagem branca — , como se chama, bela dama?

Ella sorriu, bela? Estava com roupas um pouco rasgadas, os cabelos soltos e agora bagunçados, seu rosto deveria estar um pouco sujo por conta das cinzas da lareira. Mas o jovem rapaz ainda a encarava como se fosse a pessoa mais bonita que ele já havia visto, e talvez, ela fosse.

— Me chamo Ella...

E se for ela?Onde histórias criam vida. Descubra agora