XXIV

2 1 0
                                    

A grande catedral gótica se erguia como uma sombra colossal, cercada por florestas densas e neblinas misteriosas, um reflexo perfeito da alma inquieta que habitava este homem. Ali, no centro daquelas pedras frias e angulosas, eu aguardava o que se prometia ser um dia de celebração. Mas, em meu coração, a reverência católica que invadia o ar apenas provocava em mim um desprezo.

Os sinos soaram, reverberando como o chamado de um destino inevitável. O povo se aglomerava, vestidos em suas melhores roupas, os olhares voltados para o altar, onde a pompa da cerimônia se desdobrava com a grandeza que a tradição exigia. Mas, para mim, era apenas um espetáculo: a encenação de um ritual que, embora reverenciado, pouco significava diante da profundidade de minha própria existência. Afinal, eu sou o rei dos deuses.

O bispo, um homem de semblante austero e voz potente, iniciava a cerimônia com um fervor que desafiava a frieza do ambiente. Suas palavras, carregadas de uma devoção que não conseguia compreender, ecoavam por entre as colunas de pedra, reverberando naquelas paredes que já testemunharam tantas promessas e maldições. O ritual católico, com sua riqueza de símbolos e sua encenação, parecia afastar-se do que eu realmente sentia. Era uma camisa de força teológica, uma caixa de segredos que eu não queria abrir, um compromisso sob a tutela de um Deus inexistente.

E então, no ápice da expectativa, o som do "Ave Maria" começou a preencher o espaço. Era essa a canção que ela pediu e eu não prestei a minima atenção? A melodia delicada, quase celestial, fazia o coração dos presentes acelerar. Mas, para mim, eram apenas notas de um coral distante, ensaiadas para ocultar a verdade brutal que pulsava em meu ser.

E então, ela apareceu.

Maria Madalena Van Doth. Com passos lentos e graciosos, ela adentrou a nave central da catedral, e todo o espaço pareceu se iluminar. Seus olhos, um azul profundo e hipnotizante, refletiam a luz filtrada através das vitrais, e seu vestido, do mesmo tom celestial, envolvia seu corpo de forma a realçar cada curva com uma elegância que me deixava sem fôlego. O tecido ondulava suavemente ao seu redor, como se a própria natureza a abraçasse, enquanto seu cabelo, preso de forma impecável, deixava escapar algumas mechas que dançavam suavemente, como se estivessem possuídas por um espírito indomável, apesar do longo véu sob eles.

Os sussurros do povo se tornaram murmúrios admirativos. Eu, porém, estava absorto na visão dela, totalmente hipnotizado. Maria não era apenas uma mulher linda. Ela era a encarnação de todos os meus desejos, uma obra-prima esculpida pela própria mão do destino. Era como se, ao entrar na catedral, ela trouxesse consigo uma nova realidade, um mundo onde a rigidez das obrigações se dissolvia diante da pura essência do amor.

Enquanto o bispo continuava sua cerimônia, as palavras dele se tornavam apenas um murmúrio distante em minha mente. Eu estava perdido na profundidade dos olhos de Maria, nas sutilezas de seu sorriso, que se desenhava com a mesma graça de uma rosa desabrochando ao amanhecer. Cada passo que ela dava em direção ao altar, sozinha, carregando seu buquê e um rosário, parecia desafiar as leis do tempo, como se o universo tivesse se alinhado para que aquele momento fosse eterno.

Mas a verdade era cruel, e a realidade da nossa união estava prestes a ser moldada por convenções que eu não queria aceitar. Quando ela chegou ao altar, suas mãos delicadas se encontraram com as minhas, e o toque dela, ao mesmo tempo suave e firme, me trouxe de volta àquela catedral sombria e cheia de expectativas. Os olhares dos nobres se voltavam para nós, suas esperanças e ambições penduradas nas promessas que estávamos prestes a fazer.

Maria olhava para mim, seus lábios curvados em um sorriso que parecia entender o abismo que existia entre nós. Ela, com sua entrega inabalável, contrastava com meu espírito sombrio, mal e atormentado. O peso das tradições estava sobre nós, mas eu sabia que, no fundo, nossa verdadeira união transcenderia qualquer cerimônia ou bênção eclesiástica.

TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora