Janice convenceu Carla a tirar cópias das revistas. Havia uma máquina nova ao lado do balcão, mais parecida com uma geladeira deitada. A funcionária abriu uma bandeja e colocou todas as páginas dos artigos, uma a uma. Após uma sessão de estalos e fachos de luz, ela nos entregou papeis ainda quentes com uma versão em preto e branco dos originais. Janice agradeceu com algum exagero, provavelmente encantada pela utilidade da máquina que não existia quando ela estudara ali.
— Antes eu teria que copiar tudo no caderno.
Ela repetiria aquela frase duas vezes no carro, enquanto eu nos levava para a mansão dos Villanova. Ela já havia lido e comentado sobre o primeiro artigo, sem maior interesse. Na metade do segundo, notou diferenças de estilo curiosas:
— O outro artigo tem frases mais curtas, vai mais direto ao assunto. Já este aqui é prolixo, tem orações longas, muitas vírgulas.
— Eles podem ter sido escritos por pessoas diferentes?
— Bom, isso nem me passou pela cabeça. Mas... Sim, pode ser. De onde você tirou essa ideia?
Chegamos ao portão dos Villanova. Pressionei a buzina duas vezes e o porteiro levantou o braço, a mão aberta me cumprimentando. Enquanto o portão rangia, olhei para os papeis no colo de Janice e pedi:
— Leia para mim o início do artigo mais novo.
Ela os embaralhou, e puxou a primeira página. Acelerei para entrar, acenei para o porteiro mais uma vez. Ao mesmo tempo em que Janice falava, eu manobrava para as vagas de visitantes. Estacionei ao lado de uma espetacular Maserati Berlinetta preta. Meu Buick, amassado na lateral esquerda e sujo a ponto de Janice ter sugerido que talvez fosse melhor sairmos no dela, pareceu ainda mais simples ao lado daquela obra-prima.
— Em um indivíduo adulto, a manipulação genética se mostrou ineficaz. — Janice fez uma careta. — Tem referências a cinco, não, seis outros artigos. Quer saber quais são?, eu posso ler a bibliografia no final...
— Não precisa. — desliguei o carro. — Só quero o texto.
— Certo. — ela suspirou. — Neste artigo, vamos expor uma alternativa teórica suportada por um conjunto de novos algoritmos e simulações computacionais. Esta nova abordagem nos possibilitaria determinar os genes que transportam a anomalia indesejada nos pais e manipular, de forma precisa, os mesmos genes em um embrião-filho de poucos dias ou até mesmo nos gametas.
— O que é um algoritmo?
— É um conceito de computação.
— Não importa, o resto eu entendi. — abrimos as portas ao mesmo tempo. Janice deixou os papeis no banco do passageiro e estendeu os braços para o alto, alongando o corpo esguio. — Foi mais ou menos isso que a Rose-Lee me disse quando conversamos ontem. Na verdade, eu poderia jurar que o texto é praticamente o mesmo.
No portão principal, ao invés de um empregado, Samuel nos aguardava. Sorria, com uma mão no bolso da calça e a outra para trás. Vestia um terno claro que destoava dos seus pelos marrom-escuros, mas combinava com a faixa grisalha que descia de seu queixo.
— Então, foi a Rose-Lee quem escreveu mesmo?
Parei. Janice ainda deu dois passos a minha frente e virou o rosto.
— Não tenho tanta certeza. — abaixei um pouco a cabeça, chamando-lhe a atenção; ela voltou os dois passos. — Não comenta nada com o Samuel, ok?
— Tudo bem. — sussurrou. Achei que ela iria olhar para o furão, mas se conteve. — Ele não sabe nada da investigação, sabe?
— A menos que a Agnes tenha contado, não.
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Memória de Gorila
Mystery / ThrillerCidade Nova é uma metrópole tão tropical quanto sufocante, perdida num tempo parecido com sessenta anos atrás no nosso mundo, habitada por mulheres e... homens-animais - todos os machos são animais antropomorfizados. Quando o assistente do detetive...