5. Quando a polícia me visitou no hospital e conversei com um motorista

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- Você não esperava uma socialite ruiva e gostosona ao lado da cama quando acordasse, não é?

Mas também não pedi tanto barulho para me despertar pela manhã. André ainda arrastava a cadeira no assoalho barato do hospital quando apoiei os cotovelos nos travesseiros magros e me sentei na cama. Eu já havia acordado outras vezes de madrugada, com as enfermeiras e a médica entrando no quarto para medir a temperatura, ver meus olhos e trocar a bolsa de soro. Ela me disse que estaria liberado ainda pela manhã, a bala havia apenas raspado a minha perna. O problema maior foi mesmo a lesão na orelha direita, quando bati a cabeça no teto do elevador. Havia rasgado a pele da base até a ponta do meu orelhão. Estava bem, enfaixado e sob o efeito de analgésicos, mas eu sabia que assim que saísse do hospital começaria a doer.

- Bem-vindo, André. - respondi. - Eu te ofereceria um cafezinho, mas…

- Já bebi na recepção. Ninguém nega um lanchinho para um policial. - sorriu.

O leão-marinho colocou a cadeira ao lado da minha cama e abriu seu caderno de notas. A caneta refletiu os raios de sol da manhã apenas para mostrar o quanto era nova e polida. Ele abaixou a cabeça, passou os dedos da mão esquerda nos pelos que saíam do focinho e, com a direita, anotou a data e meu nome. Uma bobagem, claro. O André nunca teve frescura comigo:

- Bom, vamos começar, Rubens. Você viu quem atirou em você?

- Ele usava máscara e roupa preta. Devia ter mais ou menos um metro e setenta, setenta e dois de altura no máximo. Era magro, bem magro e acho que usava um revólver, ele demorava para atirar. Acho que um Taurus mesmo, provavelmente calibre trinta e oito.

- Por isso é tão bom falar com você! - bateu a mão no joelho. - Não preciso fizer mil perguntas, você me dá as respostas todas de uma vez! E o que mais você percebeu?

- O cara deve ser forte. Derrubou a porta do escritório com um chute.

- Bom, ele atirou primeiro em uma das dobradiças. A bala ricocheteou e entrou na sua parede.

- Então não deve ser um atirador muito bom.

Ele olhou para o curativo em minha orelha, tiras de pano que a cobriam completamente. Além disso, eu tinha outro ferimento a altura da coxa esquerda. Era superficial, eu poderia usar calças se quisesse, mas a que eu vestia ficou manchada de sangue. Os doutores do hospital simplesmente a jogaram fora. Se não fosse por um dos médicos que me atendeu e percebeu uma calça em cima do sofá do escritório, eu teria que sair daqui de cuecas. Nunca imaginei que a minha bagunça algum dia seria útil.

- Não deve mesmo. Se fosse, ele te acertaria quando você pulou. Aliás, que ideia idiota, porra. Onde estava com a cabeça para fazer aquilo, coelho?

Dei de ombros:

- Estou vivo, não estou?

- Sorte sua que caiu do elevador, senão ele ia te esmagar quando chegasse ao último andar. - fechou o caderno. - Tem alguma ideia de quem era, Rubens?

Estiquei o lábio inferior e balancei a cabeça de um lado para o outro, praticamente imitando uma criança. De fato, eu não vi o suficiente sequer para uma suspeita, mas, se tivesse, não contaria para ele. André sabia disso. Levantou-se e andou pelo quarto, deu duas voltas no espaço apertado. A nossa frente, a janela estreita e aberta nos permitia ver a copa magra de uma árvore de folhas secas. O leão-marinho parou na frente dela e perguntou, ainda de costas para mim:

- Eu quero te ajudar. Você já me tirou de muita encrenca, Rubens. Te devo umas.

Alguns pelos do alto da cabeça e do pescoço de André já estão brancos. De resto, continua o mesmo leão-marinho castanho que conheci quando eu ainda acreditava que daria certo na polícia. Não entendo muito bem porque ele continuou na corporação, mas aposto naquela linda caneta e no relógio de pulso sofisticado e mal disfarçado sob a manga da camisa.

Memória de GorilaOnde histórias criam vida. Descubra agora