— Sim, temos um acordo — respondi.
Apoiei a ponta do pé esquerdo no chão e sobre ele equilibrei o meu corpo por um instante, o suficiente para erguer as minhas costas. Márcia era pesada, mas esguia, de músculos poderosos e pouco aparentes. Senti que ela tombou um pouco para o lado e aumentei imediatamente a força do gesto. Sem apoio, o corpo dela rolou sobre as minhas costas. Tentando se manter em pé, ela largou meu pescoço e barriga, mas isso só tornou a sua queda ainda mais estranha. Com os braços erguidos, Márcia caiu de lado, bem atrás de mim. Girei sobre meu eixo vertical imaginário, pronto para desferir um golpe em suas pernas, fazendo-a desistir de se erguer ou, ao menos, perder alguns segundos.
Ela desprezou minhas intenções. Com o corpo sobre o cotovelo, ela saltou e girou no ar, as pernas dobradas, a ponta dos sapatos passando a um centímetro do meu nariz. Dois passos para trás, Márcia caiu com os joelhos flexionados e logo está em pé, as mãos e os braços balançando ao lado do corpo. Não perde tempo; pé esquerdo para trás, impulso para uma corrida breve e intensa. Tenta me acertar no rosto; eu consegui me desviar, ela me atinge no ombro esquerdo. Um músculo do meu antebraço vibrou. Usei o braço esquerdo para afastá-la com um empurrão deselegante. Sua mão voa próxima ao meu rim, que preservei com um passo rápido para trás. Acertei seu braço e tentei forçá-la a se abaixar. Eu deveria ter previsto o que veio em seguida. Ela se aproveitou da postura que a forcei a assumir e jogou o punho para cima, concentrando nele a força que vinha dos pés, coxas e costas. Ela me atingiu de leve, apenas um dedo raspou meu queixo. Tive sorte — e tentei aproveitá-la. Ainda com o cotovelo, procurei atingi-la nas costas, expostas aos meus braços. Márcia, com os braços esticados para dar ao corpo algum equilíbrio, asfatou-se de mim antes que eu a acertasse.
Nossos estilos de luta não estavam ajudando, afinal. Agora, a alguns passos dela, decidi sacar a arma do coldre:
— Desculpe — eu disse. — O certo seria a gente continuar a brigar. Geralmente, eu não aponto uma arma para alguém que luta tão bem. Você tem habilidade, só falta experiência.
Márcia olhou para o cano da Smith & Wesson e sorriu. Dei mais alguns passos para trás, ampliando o espaço entre nós dois.
— Quem sabe outro dia, não é? — Ela disse, limpando as mãos na camiseta.
— Eu quero te fazer umas perguntas. Vai ser rápido.
— Claro. — Ela colocou as mãos nos bolsos da calça. Apontei a arma para baixo. — Calma. Não tenho nada comigo. Não foi você mesmo que disse que eu brigo bem? Então. Eu só uso os punhos.
Apoiou as costas na parede.
— Quem mandou você e o Pedro matarem o Gustavo?
— Em primeiro lugar, coelho, a gente só ia dar uma surra nele.
— Quem foi?
Pensei em engatilhar a arma, mas seria uma ameaça estúpida. Márcia perceberia o meu blefe. Afinal, eu não atiraria nela assim. Ameaçar um tiro seria subestimar a inteligência dela.
— Se tu chegou aqui, então é porque já sabe, Rubens. Só quer ouvir da minha boca.
— O nome.
— Samuel. O seu amigo, o fuinha engomadinho.
— Então me diz como você conheceu o Samuel.
— Uma vez, quando ele estava saindo da escola...
Eu a interrompi para reforçar o óbvio:
— Você era segurança lá. Você e o Pedro, estou certo?
— Isso. Ele estava saindo pelos fundos e chamou a gente para ver se não tinha ninguém na porta. A Marina tava grávida, bem barrigudona.
E não era famosa como hoje. Mas, certamente, Samuel já imaginava ter um talento em mãos. Não queria que ela fosse vista grávida porque aquilo renderia notícias no futuro, quando Marina fosse a estrela da Villanova Records que ele imaginava um dia viria a ser. Tinha razão.
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Memória de Gorila
Misterio / SuspensoCidade Nova é uma metrópole tão tropical quanto sufocante, perdida num tempo parecido com sessenta anos atrás no nosso mundo, habitada por mulheres e... homens-animais - todos os machos são animais antropomorfizados. Quando o assistente do detetive...