6. Os segredos de uma biblioteca

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Por sorte, nem Samuel estava na mansão dos Villanova. Apenas o segurança da entrada e uma copeira desinteressada em nós dois nos cumprimentaram quando chegamos. Eu e Túlio fomos a cozinha, um corredor amplo, tomado por armários até o teto de um lado e pelo outro de fornos, fogões, pia e utensílios de prata pendurados nos azulejos. Era bem cuidada e, apesar da óbvia excelência dos móveis, não sofisticada. Tínhamos fome e pouco tempo, por isso nos servimos de dois sanduíche simples, feitos às pressas, pão, alface, tomate e fatias generosas de presunto. Túlio engoliu o seu em três mordidas amplas e, em seguida, levantou-se:

— Espera aqui. Vou ver se está tudo livre mesmo.

Concordei com a cabeça, apesar de não gostar da situação. Infelizmente, não consegui arrancar mais nenhum detalhe do motorista enquanto vínhamos. Resumiu-se a repetir o que Otto lhe pedira: trocar livros selecionados da biblioteca por outros, de verdade, pois os livros que o gorila desejava não passavam de cadernos de anotações disfarçados. Não parecia muito, mas, afinal, até agora corri atrás de pistas em livros e papeis. Além disso, por que outra razão alguém teria invadido o nosso escritório se não desconfiasse que Otto havia levado algo para lá? Assim que terminei de beber o suco de laranja, a cabeça comprida de Túlio apareceu na porta:

— Vamos.

Atravessamos um corredor ainda mais largo do que a cozinha, depois a sala onde estive antes, e chegamos à imensa porta da biblioteca. O lobo girou a chave com facilidade, e entramos como crianças em algum cômodo proibido pelos pais.

Túlio coçava as orelhas a toda hora, parecia se esforçar para lembrar onde os livros de interesse de Otto ficavam. Ele passou a palma da mão no queixo, olhou para o fim do corredor e apontou a mais alta das prateleiras. Desta vez, pude observá-las com mais cuidado.

A biblioteca do patriarca Villanova ia do chão ao teto, organizada, se me lembrava bem, em dois grandes grupos: ficção e não-ficção, esquerda e direita. Entre elas, no teto, a imagem de Imhotep, desenhado com milhares de pedras coloridas dispostas ali com o cuidado e a precisão que apenas doses igualmente absurdas de dinheiro e dedicação podem fornecer. O deus observa as longas estantes, mesa de madeira maciça no centro e as quatro poltronas de leitura, um casal à esquerda e o outro à direita. No final de cada estante, uma escada presa a estrutura e com rodinhas de metal nos pés. Patéticos, andando com cuidado, chegamos até a escada do nosso lado. Túlio a pegou com as duas mãos e arrastou até onde eu estava. Com um safanão para baixo, certificou-se de que estava firme:

— Os livros ficam lá em cima — sorriu.

Ele saltou degraus acima, sua agilidade canina a mostra. Subiu até a última prateleira, esticou o braço e passou os dedos pelas lombadas. Seus lábios finos se moviam, recitavam em voz baixa os nomes que lia. Enfim, pegou um dos volumes - grosso, pesado, de capa dura e vermelha - e abriu, equilibrando-o sobre um dos joelhos. Folheou o volume e o devolveu a estante. De novo, dedos sobre as lombadas, tom contido na leitura do título, um livro tão gordo quanto o anterior aberto sobre o joelho, páginas reviradas. Ele fez um "não" com a cabeça.

— O que foi? — perguntei.

— Estes livros... A capa é a mesma, mas...

— Mas?

Enfiou o volume sob a axila e desceu. Mostrou a capa, um título apenas: Mutações e Antropomorfismo, de Rose-Lee Thompson. Abriu o livro com as páginas viradas para mim. Texto impresso, diagramas, ilustrações, algumas bem perturbadoras.

— Trocaram os livros, Rubens.

Nenhuma anotação. Nada. Volumes vulgares (até onde um título daqueles possa ser considerado comum), que um estudante de medicina compraria em qualquer livraria especializada.

Memória de GorilaOnde histórias criam vida. Descubra agora