O Canto das Sereias.

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E com a mesma facilidade que adoecem, crianças se recuperam.

Eu esperei por cerca de duas horas depois do café da manhã pra me certficar de que ela estava bem mesmo, e estava. Clara nunca esteve melhor, na verdade. Nenhum sinal de febre, de náusea, de cansaço, de choro, nada!

— As bolsas estão prontas, Vinícius? — designei a ele a tarefa de preparar as duas bolsas, uma da Clara e outra da Carolina, com roupas, brinquedos, lanchinhos e qualquer outra coisa que pudéssemos precisar. Separei grande parte dos objetos no enorme colchão da cama de casal e esperei que ele guardasse tudo nas mochilas – uma do desenho monster high e outra da floresta encantada – enquanto eu prendia o cabelo das meninas.

Há dias em que minha única vontade é passar a tesoura no cabelo delas, mas calma! Eu não sou uma bruxa má que veio do Oeste. É só uma questão de praticidade, veja só: tendo gêmeas, tudo naturalmente é duplicado, logo mais complicado. E quando essas gêmeas têm cabelos longos, cheios e ondulados (graças ao pai) é trabalho pra mais de mês.

Mas por mais que eu queira, elas não querem não. Cultivam os cabelos com muito amor e carinho, numa vaidade que não existia em mim quando eu tinha a idade delas, então eu me desdobrobo como dá.

Fiz duas tranças em cada cabeça e enfeitei com lacinhos lilás nas pontas.

— Vocês duas parecem princesas da Disney, sabia? Acho que o Mickey esqueceu de buscar vocês.

Feito a mãe babona que eu era, beijei o rostinho de cada uma e as ajudei a descer da bancada. Carolina foi direto mostrar o cabelo pro pai e a Clara foi se admirar no espelho, toda sorridente, toda fofa. Resolvi que faria o mesmo penteado em mim também, já que se é pra ser cafona eu gosto de ser cafonerrima, e nós três acabamos igualzinhas. A diferença é que elas tinham menos de um metro de altura, só isso.

— Tá calado hoje, amor... que foi? — rodeei o pescoço dele com os braços e franzi o cenho, combinando com a cara de atordoado que ele tinha desde cedo.

— Impressão sua. A Carolina falou demais na minha cabeça ontem... Aí! — Reclamou do tapa que ganhou, e só por isso merecia outro.

— Já disse que não quero você falando isso perto delas! São crianças, Vinícius, é normal que falem, sejam curiosas, inventativas.

— Eu não disse nada demais, Giovanna. Ela realmente sugou minhas energias, só isso!

Suspirei fundo, fechando os olhos com força. Meu marido não tinha jeito com as palavras e isso era fato, e eu não me incomodava quando essas besteiras ditas por ele eram direcionadas a mim. Mas quando direcionadas às minhas filhas...

Saí de perto dele para respirar melhor, massageando minhas têmporas cansadas e doloridas. Decidi que deixar as grosserias dele estragaram minha manhã não faria bem a ninguém, então joguei aquela interação numa gaveta do fundo do cérebro, onde ficavam as outras, iguais a essa.

— Nós vamos fazer o passeio até a ilha hoje. Já tá tudo pronto? — perguntei de novo, mais firme, desviando de sua reta.

— Sim, Giovanna. Quer que eu desenhe na tua frente?

— Não, Vinícius. Só leva suas filhas pro carro que já tá de bom tamanho! — apesar do tom, dei a resposta sorrindo, apertando o ombro tensionado dele.

Por mais que quisesse resistir, ele pegou as duas mochilas e as duas meninas e saiu do quarto, em completo silêncio. Eu comemorei a saída dele soltando um longo suspiro que eu nem me dei conta que prendia. Senti as costas mais leve de responsabilidades e pude focar em mim por alguns minutos.

Solstício de Dezembro. Onde histórias criam vida. Descubra agora