À meia luz, à sós...

210 14 9
                                    




Ao longo dos anos, infinitos cenários assombraram meu cérebro causando danos possivelmente irreparáveis a minha psique.

Sou um neurótico nato. E, na tentativa de abraçar essa loucura para torná-la menos vilã, apelidei esses momentos de extrema insanidade de neuroses.

As minhas neuroses variam muito de acordo com a fase da vida que me encontro. Atualmente, na fase empresário, minhas neuras giram em torno da falência, incêndios, assaltos, golpes, reviews ruins no Google, intoxicações alimentares e etcetera...

Porém, nem em um sonho muito distante e distópico, eu imaginei que estaria aqui, dentro do meu próprio restaurante, na noite de inauguração da casa, jantando com a minha namorada e a minha ex.

A gente morre e ainda não vive de tudo.

Biruta das ideias, observei os sinais de desespero na Giovanna também: dedos que balançavam demais, perna inquieta, fala arrastada, olhar vazio. Tudo que não era característico dela como pessoa mas que era sutil o suficiente para passar despercebido por olhares desatentos.

Mas ao longo dos sete anos que ficamos juntos, aprendi a treinar minhas lentes. Logo no início eu desenvolvi a habilidade de ler essa mulher feito um bom livro de bolso, decifrando até o que ela fazia questão de trancafiar a sete chaves.

A ceninha do bloody mary nos rendeu olhares, tanto da minha parceira quanto do dela.

Foi inevitável sugerir, muito impensado, só saiu do meu controle. Foi coisa de hábito, corriqueiro, eu respondi totalmente desatento, porque conheço os gostos dela como se ainda fosse o meu lugar. Simples! Mas foi só o primeiro fiasco da noite.

— Giovanna tinha mania de pedir isso até em buteco de esquina. — me expliquei, preenchendo a lacuna do silêncio com minha risada. — Enfim! Quer dizer que o casal tá de aniversário? Quanto tempo?

Direcionei minha pergunta ao Vinícius, aquele protótipo de homem que por pouco deu certo. Ele é boa pinta, bonito, cabelo curto e uma barba por fazer que até passa batido. É bem alto, mais alto que eu, e tem um físico muito bem cuidado e atlético.

— Quatro anos. — voz grossa e firme pra mim, mesmo que vez ou outra passava a olhar Maristela.

— E as suas meninas estão com quanto tempo, Gio?

— Quatro também. Fizeram recentemente, o último aniversário delas foi à três meses. — notei uma certa vergonha em admitir aquilo, como se temesse os julgamentos da minha namorada – se colocando numa posição de quem aceita alguma opinião.

Estranhei a princípio mas até que fez sentido: até então não havia encontrado nada que chamasse atenção naquele homem, a barriga que a segurou, coitada.

— Vocês têm filhos? — Giovanna devolveu direta, me encarando com os olhos sádicos de quem passou dias fantasiando esse momento, pronta pra me pegar despreparado.

Ensaiado e teatral, quebrei a expectativa dela. Neguei com a cabeça, depositei a mão no joelho da Maristela e abri um sorriso curto, fraco.

— Eu detesto crianças. — minha namorada me interrompeu, e com os lábios partidos eu fiquei, deixando que os holofotes caíssem sobre ela mais uma vez.
— Com todo respeito, Giovanna... Mas não é pra mim. Nunca foi, nunca fiz questão. Eu gosto muito dos meus sobrinhos e afilhados mas gosto mais quando devolvo pros pais. — mais uma leva de risadinhas vazias.

Olha, as reações que seguiram essa decoração dela ficam a critério da sua imaginação, mas eu vou ditar um pouco do tom: nunca vi um Alkemius tão calado em toda minha vida.

Solstício de Dezembro. Onde histórias criam vida. Descubra agora