— Giovanna?— Que? Como você sabe meu nome? — ela disparou antes mesmo de levantar o rosto. — O que foi que você disse pra ele, Carolina?
Hesitou um pouco em buscar meu rosto, totalmente alheia a minha presença e inteiramente focada na filha, mas quando ela encontrou meu olhar Giovanna passou pelo mesmíssimo processo que passei. Pude ver as engrenagens do cérebro dela parando e o sistema travando por inteiro.
— Giovanna? — repeti, arregalando mais ainda os olhos.
— Alexandre? Que... tá fazendo o que aqui?
Antes que eu pudesse responder, fui pego de surpresa por uma outra vozinha quebrando o curto silêncio. Era aguda, infantil, muito parecida com a da Giovanna e principalmente da Carolina. Levei uns dois segundos para juntar uma peça na outra e tirar a prova com os olhos, caindo na realização de que, na verdade, são duas Carolinas.
E tolo eu seria se tentasse resumir um pouco do que se passou dentro da minha cabeça naqueles segundos que eu tirei pra assimilar todas as informações, ainda mais quando as duas Carolinas me tiraram toda a concentração do corpo e eu não fui capaz de fazer nada.
— As gurias são suas? — perguntei inocente e ainda meio inerte, ignorando a quantidade de vezes que a palavra mamãe foi usada naquele pequeno espaço de tempo.
— São minhas filhas. — respondeu seca, engolindo em seco, evitando meus olhos. Vi que ela segurou a mão das duas com um pouco mais de firmeza, afastando elas de mim por poucos centímetros. Estranhei, mas precisei relembrar do contexto daquele encontro. Eu ainda sou um estranho.
— Quem é você? — uma delas perguntou, e rapidamente eu esqueci quem era Carolina e quem não era.
As duas são pra lá de gêmeas, daquelas idênticas que espelham até movimentos corporais. Acho que vi as duas suspirando juntas ao mesmo tempo duas vezes.
Só depois de minutos encarando elas completamente embasbacado, vi com uma riqueza maior de detalhes tudo que elas têm em comum com a Giovanna: o sorriso largo, os olhos fundinhos, o nariz redondo mas pontudo, o queixo e os cabelos, longos e ondulados e cor de mel. Miniaturas dela, cópias muito bem feitas que assustariam qualquer um.
Eu inclusive entrei em uma espécie de estado de choque. A mistura de emoções foi tanta que eu não sabia escolher qual delas ia predominar, todas lutavam pra tomar conta de mim, me fazendo agir feito besta na frente das três.
A Carolina, gêmea que carregava a bolinha neon, única característica possível para distinguir as duas, percebeu minha agonia e cochichou algo pra outra, e assim as duas começaram a rir.
Criança tem poder de constranger a gente, né?
— Alexandre. — limpei a garganta e me lembrei da pergunta, estendendo a mão pra uma e depois a outra, mesmo que fossem crianças demais para entender aquele cumprimento.
— Alexandre Nero. E vocês?— Clara e Carolina. — veio da mais velha, desconcertada, dando mais um passo pra trás. Eu quase senti que ela estava com medo de mim.
— Suas filhas são lindas. Tua cara. — tomei coragem e voltei a trocar olhares com ela, que piscou um milhão de vezes antes de me responder, branca feito quem viu o próprio fantasma da ópera. O completo oposto das meninas, que apesar de parecerem bem tímidas, abriram um sorrisão banguela quando ouviram o elogio.
— Eu tenho que ir. O pai delas tá chegando.
Não deu tempo de mais nada, depois disso ela saiu arrastando as meninas pra longe de mim na direção de uma loja de roupas infantis, e os próximos eventos aconteceram numa rapidez surpreendente: ela puxou a Carolina, a bolinha caiu, saiu rolando pelas pedras e a menina abriu um berreiro.
A mãe, desnaturada que era, não fez questão de olhar para trás e muito menos tentou buscar o brinquedo! Quando eu segurei ela em mãos de novo, tentei procurar pelas três mais uma vez, mas de nada valeu.
— Giovanna, espera aí! — ainda tentei argumentar, dando mais uns passos pra frente totalmente em vão, já que em questão de segundos ela sumiu da minha vista, foi pra dentro da loja e de lá não saiu mais.
Demorei uns bons minutos até recolher os pedaços do meu queixo que caíram no chão. Me recompus, guardei no bolso aquela bolinha e alisei a barba quinhentas vezes, como se fosse possível rebobinar a fita daquele momento pra mudar o rumo daquele reencontro mais do que bizarro.
— ALEXANDRE! — o grito de mais cedo ecoou de novo, e Joanna foi a responsável por me tirar daquele túnel do tempo estrelado pela Giovanna que me sugou e parecia não ter fim.
— Tá aí ainda? — pergunta idiota, voz de idiota, ainda colocando os pensamentos no lugar, atordoado que só.
— Que interação estranha, cara... Essa Giovanna aí não é a Giovanna que eu tô pensando não né?
— Tchau, Joanna. — teria sido menos doloroso dizer que sim, mas respondi meio arisco descendo aquela rua feito trem desgovernado e sem rumo. Bem, eu até tinha rumo sim, mas meus pés não queriam ir pra lá.
— Alexandre! Giovanna? Aquela Giovanna Antonelli? — saiu numa mistura de curiosidade, interesse, confusão mental e sede por contenda. É uma fofoqueira de marca maior.
— Eu falo com você amanhã, tchau.
A grosseria se fez necessária pra que eu tivesse tempo de compreender aquilo ali melhor, sem ser bombardeado de perguntas, antes de abrir a porta do bistrô novamente: Giovanna Antonelli, ex-namorada, ex-caso, ex-mulher, ex tudo, apareceu na minha frente depois de cinco anos separados, com filhas e um marido numa noite de quinta-feira qualquer na Bahia!!!
Quais eram as chances?!
Nenhuma! Exato! Devia ser sequela da imaginação, né? Claro. Bebi cachaça demais de estômago vazio e tô delirando. Tô ficando velho também, isso influencia, e tem mais um milhão de outras coisas que poderiam explicar aquela situação e só provaria que tudo não passa de uma pegadinha de baixo orçamento do Gugu, certo?
Mas só o que me trouxe de volta pro mundo real foi a barulheira dentro do Pelô. Ouvi de longe a voz da Júlia, comemorando meu retorno, e avistei como a quantidade de cervejas na mesa triplicou desde que eu saí. Detalhe: não passei nem trinta minutos completos lá fora.
— Tu nasceu grudada em mim, mulher? Se saia! — imitei o sotaque dela e forjei uma careta pra aliviar a morbidez que eu trouxe lá de fora, mesmo que pra mim dificilmente a noite teria volta. Agora só me restavam as mais profundas e sinistras neroses.
— O que a Joanna queria, amor? — Maristela me recebeu com um beijo e outro, notando a palma da minha mão escorregadia e molhada, transpirando. Vi a carinha de nojo que ela fez, que em outras ocasiões teria me feito dar risada.
— Teve briga com a Carla, coisa boba. Te conto depois, pode ser?. — evitando pesar aquele clima gostoso, xavequei seu pescoço pra tirar de mim o foco e até que funcionou, o álcool no corpo dela ajudou.
O restante da noite se seguiu bem, muito bem. Taí uma coisa que eu nunca considerei pra profissão, mas sou bom pra caramba fazendo: atuando. Passei todo o tempo restante curtindo a noite com os nossos amigos enquanto fingia que uma diaba loira não habitava cada um dos meus pensamentos, e dominava todos eles também.
Espera, é pecado chamar uma mãe de família de diaba?
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Solstício de Dezembro.
RomanceSalvador, férias de dezembro, duas famílias, dois astros: o sol e a lua. Giovanna, por vezes minguante, exausta de sua rotina desgastante e maçante decide que o que sua família precisa não está no Rio de Janeiro. Rumando o alto do mapa, a Bahia, com...