•Capítulo 13•

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Uma interação nada casual

Eu segurava uma taça de suco de uva concentrado. O restaurante estava climatizado, mas o calor que eu sentia não era pelo clima. As luzes suaves do estabelecimento refletiam na superfície do líquido como pequenos brilhos cintilantes, quase divinos. Do outro lado da mesa, Diogo me fitava com um sorriso que provavelmente achava ser disfarçado. Eu não sabia exatamente o que aquele olhar significava, mas imaginava.

— Como você equilibra tudo isso? Sua vida, sua fé… As poucas vezes que te observei, te descreveria como alguém tão serena, tão… resolvida com quem é. — ele parecia sincero.

  Suspirei internamente. Ah, ele realmente acreditava nisso, não é? Como toda história, a boa filha cristã, sempre tão pura, tão plena, tão distante de qualquer coisa que pudesse manchar sua reputação. Talvez ele estivesse interessado em mim, sim, mas não em mim de verdade — não na Naomi que existe além da imagem da garota religiosa e impecável. Talvez ele esteja fascinado por uma projeção, uma fantasia. Como todos os outros.

Ergueu os olhos e encontrei os dele, mantendo uma expressão que sabia ser enigmática o suficiente para deixá-lo mais curioso. Era fácil para mim vestir essa máscara. A máscara de calma, de doçura. Era como uma segunda pele que usava desde que se entendia por gente.

— É uma questão de fé, — eu disse, voz suave, mas firme. — A vida é cheia de desafios, de incertezas… mas a fé é o que me dá direção, propósito. — sorri suavemente, vendo como ele inclinava a cabeça, absorvendo cada palavra como se estivesse recebendo uma revelação divina.

Diogo pulou algumas cadeiras, até se sentar no lugar de Vicente. Ele se aproximou um pouco mais, as mãos pousadas casualmente na mesa, mas os olhos fixos nos meus, com uma intensidade que provavelmente seria atraente.

— Deve ser incrível viver assim, tão conectada a algo maior. Como eu já disse, ou talvez não tenha dito. Eu sempre tive curiosidade… como é sentir essa presença de Deus, tão próxima?

Ah, aí estava. Ele queria mais. Queria ser parte daquela aura de santidade que ele achava que ela carregava. Era irônico, na verdade, minha fé nunca chegou aos pés do meu avô, mas ela era real. Eu acreditava, sim. Mas isso não significava que eu fosse essa criatura imaculada que ele pintava em sua mente.

Sabia exatamente o que fazer. Ofereci um sorriso leve, o tipo de sorriso que parecia transbordar graça.

— É algo que não dá para explicar com palavras, Diogo. É mais uma sensação, uma paz que vem de dentro, mesmo quando o mundo ao redor parece estar desmoronando. Como realmente parece estar, no nosso dia a dia.

Ele assentiu lentamente, como se estivesse em transe. Ela conseguia ver nos olhos dele, as engrenagens lutando para funcionar. Para compreender.

— O que você acha que aconteceu com Suzanna? — ele perguntou abruptamente, mudando de assunto. — Quero dizer… você parece lidar com isso tão bem. Não deve ter sido fácil para você.

Suzanna, minha mãe. Nós últimos meses se mostrou uma mulher difícil. Ela se casou com o pai de Diogo e foi uma mãe para ele, mesmo que por pouco tempo, embora quinze anos fosse muita coisa. Ela desapareceu do mapa, me deixando para trás. Eu sabia que Diogo queria respostas, uma explicação para o que sua Suzanna havia feito, e agora queria ver se eu, a filha biológica, carregava alguma mágoa oculta. Eu carregava, e ele sabia.

Eu inclinei a cabeça, observando-o com cuidado.

— Todo mundo tem suas lutas, Diogo. E não posso te dar um veredito sobre meus sentimentos em relação a isso, porque a cada dia que convivo com ela e vocês, me pego mudando de opiniões. Não posso afirmar que não tenho mágoa, e não posso  dizer que tudo o que aconteceu tira meu sono as noites.


Eu estava sentada na poltrona, mas parecia estar caindo de um penhasco. A famosa sensação de ansiedade, como se um grande outdoor estivesse prestes a cair sobre minha cabeça. Eu sabia o que viria após essas perguntas, mas não esperava que elas provassem essa reação em mim. Deus me ajude. Ficamos em silêncio por alguns minutos, o ar gelado, brincando com minhas orelhas, com certeza abaixaram mais a temperatura.

Diogo assentiu, pensativo, como se estivesse tentando entender um pouco do que eu disse, mas eu sabia que ele não podia. Ele tinha outra versão da minha mãe. Uma que eu nunca conheci, ou não me lembro detalhadamente. E foi então que me veio à mente uma pergunta que sempre quis fazer, mas nunca tive coragem.

— E como ela foi... pra você? — perguntei, baixando os olhos para o chão. — Quero dizer, como ela foi uma boa mãe pra você?

Ele respirou fundo e passou a mão pelos cabelos, como se estivesse tentando organizar os pensamentos.

— Sua mãe... foi incrível comigo. — Sua voz saiu com uma suavidade que eu não esperava. — Quando meu pai se casou com ela, eu estava perdido. Não sabia como lidar com a perda da minha mãe. Em minha cabeça a família que eu conhecia, tinha se dissolvido ao vento, sabe? Era rebelde, e me sentia completamente deslocado. Mas ela... ela nunca desistiu de mim.

Ele riu, como quem se lembra de algo distante, algo bom.

— Lembro de uma vez que eu briguei feio com meu pai. Queria sair de casa, fugir de tudo. Ela me encontrou no quintal, pronto pra ir embora, e simplesmente sentou ao meu lado. Não disse nada no começo. Só ficou lá, quieta. Depois de um tempo, ela falou... ‘A fuga não vai resolver o que está aqui dentro de você’. E me deu aquele olhar dela, aquele que faz você pensar em tudo o que está fazendo errado. Não me julgou. Só me escutou e me deu um conselho que eu nunca esqueci.

Ele fez uma pausa, e eu percebi o brilho nos olhos dele.

— Ela disse: ‘O mundo é grande, e você pode ir a qualquer lugar, mas se não aprender a enfrentar o que está dentro de você, vai se perder em qualquer lugar que vá’. Foi isso que me fez ficar. E não era só em momentos de crise, sabe? Ela tinha uma forma de cuidar, de estar presente... Me ensinou tanto. A ser paciente, a pensar antes de agir, a não deixar o orgulho me cegar.

Ouvi cada palavra dele com uma sensação crescente de... desconforto. Não porque ele estava errado. Na verdade, ele parecia estar descrevendo uma mulher que eu não conhecia. E isso me fazia sentir algo que eu não queria admitir.

Inveja.

Eu sabia que isso era errado, que não deveria sentir inveja de alguém que encontrou amor e apoio, especialmente alguém da minha família. Minha fé sempre me dizia que a inveja era um pecado, algo que corrói a alma. Mas como eu poderia evitar?

— E como você se sente em relação a ela? — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.

Diogo suspirou, inclinando-se para frente com os punhos apoiados na mesa.

— Ela é a mulher que me ensinou a ser quem eu sou hoje. Eu a respeito, a admiro... e sou grato por tudo o que ela fez. Não vejo ela como substituta da minha mãe, mas como alguém que me moldou de uma maneira diferente, entende?

Assenti, tentando processar o que ele havia dito. Minha mãe, a mulher que eu sempre achei egoísta e distante, havia sido uma figura de sabedoria e amor para outra pessoa. A lacuna que eu sentia dela não existia para Diogo. Ela tinha sido tudo o que eu queria que ela fosse... para ele.

E ali estava eu, lutando contra o que sentia. Era difícil admitir que a inveja que nascia em mim era mais sobre o que eu nunca tive do que sobre o que ele tinha. Eu sempre quis que minha mãe fosse essa figura, alguém em quem eu pudesse me apoiar, alguém que ficasse quando tudo o mais desmoronasse. Mas isso nunca aconteceu para mim.

O silêncio entre nós se alongou. Ele olhava para o horizonte, enquanto eu tentava encontrar uma forma de lidar com essa nova camada de verdade. A parte de mim que seguia a fé sabia que eu precisava perdoar. Mas a parte de mim que era apenas humana... bem, essa ainda estava aprendendo como.

— Acho que você teve sorte, Diogo — sussurrei, mais para mim mesma do que para ele.

Ele me lançou um olhar compreensivo, mas não disse nada. Talvez ele soubesse que não havia palavras que pudessem aliviar o que eu sentia. Então ele disse:

— Eu espero que encontre tudo o que merece em alguém. — talvez por impulso, ele agarrou minha mão, com delicadeza. — Apesar de não compartilhar a mesma fé que você, ouvi dizer que Deus é justo, e tenho certeza que ele te dará algo para complementar seu coração, não apenas preenchê-lo.

— Obrigada, Diogo. Eu desejo o mesmo a você. — ainda ficamos bons segundos de mãos dadas.

Eu sentia tudo que Diogo sentiu. Meu avô Émile foi tudo para mim, mas aquele estranho tinha razão, Sr. Émile Fontaine apenas preencheu um buraco no meu coração, o que tem reservado para mim no futuro, é algo que vai completar tudo o que está pela metade, e sei que Deus tem um plano perfeito nesse sentido.






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⏰ Última atualização: Oct 19 ⏰

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