•Prólogo•

8 1 2
                                    

Corações esquecidos


Nunca pensei que a culpa pudesse ter tantas formas. Ela vem com os primeiros raios de sol da manhã, e me ataca a qualquer momento quando penteio meus  cabelos encaracolados ao acordar. Às vezes, é uma onda que se forma no meio do mar e se quebra antes de chegar a praia, outras vezes, é como um maremoto destrutivo. Nos últimos tempos, as ondas não tentavam apenas me afogar, também me arrastavam para as profundezas. Os sussurros no silêncio da noite persistiam, uma vozinha doce e afiada o bastante para infiltrar entre as brechas dos meus muros e roubar toda a felicidade que custei conquistar, o mundo amanhecia vazio e se tornava cheio, contudo, nas madrugadas, tudo o que restava era um buraco negro, que se formou quando fiz minha primeira escolha irresponsável, e a consequência dela, é só minha.

Eu a deixei. Abandonei minha filha pequena, o sorriso ainda fresco em minha memória, mãozinhas pequenas procurando minhas unhas para cutucar, os olhos cheios de perguntas que nunca ousei responder. O mundo que me esperava lá fora, diversas promessas de satisfação devastadora, um mundo de natureza sedutora, e eu estava convencida de que precisava disso, de que merecia isso — uma vida além das paredes apertadas de um lar devoto a Cristo, além das rotinas monótonas, além do que todos esperavam de mim.

Contudo, o que eu não sabia era que, ao partir em busca de algo maior, deixava para trás o que realmente importava. Por anos, viajei pelo desconhecido, vivendo intensamente cada momento, mas carregando o peso do que perdi. Não sei o que restou dela, da minha menina. Não sei se ela ainda pensa em mim, ou se o tempo apagou minha memória de seu coração como uma borracha desmancha um simples garrancho. Talvez, ao me deixar ir, eu tenha libertado nós duas. Ou talvez, em minha busca por liberdade, a tenha condenado a carregar uma ausência que nunca poderá preencher.

Agora, tudo o que posso fazer é continuar. Mas as cicatrizes da minha partida seguem comigo, e por mais longe que eu vá, quando me olhou no espelho, sempre vejo uma mulher bonita, inteligente e extremamente tola, porque deixou a única palavra que significa o mundo inteiro para trás. Eu sou a mãe que escolheu a liberdade no mundo, e ainda assim, o caminho livre que trilhei definiu minha vida como uma eterna prisioneira de momentos. Apenas momentos felizes, e não constância de paz.

⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢⇢

Obrigada por ler até aqui! Deixe uma estrela para me ajudar 😃 🙏
Escreva alguns comentários, vou amar responder cada um.

Corações De Primavera - Série Estação de Recomeços Onde histórias criam vida. Descubra agora