Capítulo 1: A Fuga

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Aviso: Esta história segue o estilo fast burn, ou seja, o romance e a tensão entre os personagens se desenvolvem rapidamente, levando a cenas intensas e envolventes logo no início. Se você prefere histórias com um ritmo mais lento e gradual, talvez esta não seja para você.

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JUDAS

A noite era abafada, o céu escuro carregava uma pressão no ar, como se a qualquer momento fosse desabar em uma chuva pesada. Atravessar o território inimigo sempre trazia um certo prazer. O medo dos outros ao ouvir meu nome, Judas, o respeito forçado pelas ações que cometi... Eu já me acostumei a isso. Aos trinta e cinco anos, me tornei o que os outros chamam de lenda. Um dos líderes do Comando dos Sete, o nome que ecoa no morro como sentença de morte.

Os passos rápidos dos meus homens me seguiam enquanto a gente avançava pelas vielas. Eu sabia que, no final daquela noite, o morro rival seria nosso. Ou o que restasse dele. O barulho dos tiros não me assustava mais, e o cheiro de pólvora misturado com o suor e o sangue no ar era quase familiar. Só que hoje... Hoje tinha algo diferente.

Entrei na casa do chefe do morro rival, empurrando a porta com força. A madeira velha cedeu, e lá estava ele, o desgraçado que eu vim pegar. Mas o que vi em seguida fez meu sangue ferver de um jeito que eu não esperava. O filho da puta estava em cima de uma garota, loira, frágil, praticamente inerte, enquanto ele tentava satisfazer sua podridão. O olhar dela era de puro desespero, vazio, como se já tivesse desistido de lutar.

Não pensei. A arma na minha mão foi direto para as costas do desgraçado. Dois tiros secos. Rápido. Preciso. Ele caiu antes mesmo de entender o que aconteceu. O corpo pesando sobre a garota enquanto o sangue dele manchava o chão. Não havia tempo para remorso. Não havia tempo para pensar em nada, na verdade. Só fiz o que sempre fiz: eliminei um problema.

— V-vai me matar também? — A voz dela saiu num fio, quase sem força, os olhos arregalados, inchados.

O som das balas lá fora diminuía, e eu sabia que meus homens estavam avançando. A operação estava no fim, e era hora de sair. Só que aquela garota...

Parei por um segundo. Não era da minha conta. Eu deveria ir embora e deixá-la lá, mas... Merda.

— Se você ficar aqui, eles vão terminar o que ele começou — murmurei, a voz rouca saindo mais fria do que eu pretendia.

Ela piscou, como se tentasse entender o que eu tinha dito, o rosto sujo de lágrimas e sangue. Devia ter uns vinte e poucos anos. Jovem demais pra ter vivido o inferno que aqueles olhos azuis demonstravam. Merda, Judas, pensa. Ela não é sua responsabilidade. Mas ao mesmo tempo, não parecia certo deixá-la lá. Ele a violentou, e o resto dos homens dele não seria melhor.

— Me... Me leva com você — implorou, a voz trêmula. — Por favor... eles vão me matar se eu ficar… Vão achar que eu matei ele…

Meus instintos gritavam pra largar ela ali e sair fora. Eu nunca fui o tipo de cara que salva ninguém. Nunca precisei. Mas algo na maneira como ela implorava... porra, eu não conseguia ignorar.

— Levanta. — As palavras saíram ríspidas, quase como uma ordem.

Ela tentou, mas o corpo fraco não respondia direito. Quando caiu de volta no chão, percebi que não tinha escolha. Me abaixei, puxando ela pelo braço com mais força do que deveria. O corpo dela era leve, frágil, como se estivesse prestes a quebrar. Ela se apoiou em mim, as pernas tremendo, o olhar perdido no vazio, mas eu sabia que ela não ia conseguir andar sozinha. Não naquele estado.

— Segura firme — ordenei, meio impaciente.

Ela se agarrou no meu ombro, os dedos finos apertando minha pele.

O morro estava em silêncio agora. Meus homens tinham controlado a situação, e o território era nosso. Mas a sensação de vitória que normalmente me tomaria não veio. Senti o corpo dela contra o meu enquanto a gente caminhava, tropeçando nas pedras da rua. Ela mal conseguia ficar de pé, e eu lutava contra a irritação que aquilo me causava. Eu não sou babá. Não era pra ser assim.

Consegui arrastar a garota até um dos carros em uma das saídas do morro. Joguei ela no banco de trás sem cerimônia, me sentando no banco do motorista logo depois. O silêncio no carro era ensurdecedor, quebrado apenas pela respiração pesada dela. Eu não sabia por que tinha feito isso. Não fazia sentido. Eu, Judas, o cara que só pensa no próprio rabo, salvando uma garota que nem conheço? Absurdo.

Olhei pelo retrovisor, vendo o rosto dela iluminado pela luz fraca do carro. Ela estava encolhida, os braços ao redor do próprio corpo como se quisesse desaparecer.

— Qual é o seu nome? — perguntei, sem entender por que eu ainda estava falando com ela.

— Larissa — murmurou, a voz fraca.

O som do nome dela ficou ecoando na minha cabeça por alguns segundos. Eu devia dizer algo? Confortar ela? Não, isso não era meu estilo.

Suspirei, arrancando com o carro. Enquanto a gente descia o morro, as luzes da cidade começavam a aparecer ao longe. Eu sabia que não podia simplesmente largar ela na rua. Eu era um criminoso, mas não deixava uma garota assim, com o olhar quebrado, jogada pro azar. Se eu a largasse, ela estaria morta antes do amanhecer. Ou pior.

Levei ela pra um dos meus refúgios. Um apartamento discreto, afastado dos olhos curiosos. A cidade grande tem seus esconderijos, e eu sempre soube como me esconder bem. Parei o carro e olhei pra ela de novo. Larissa. Tava respirando mais devagar agora, mas ainda estava claramente em choque. Abri a porta e a ajudei a sair. Quando ela tropeçou de novo, perdi o pouco de paciência que me restava.

— Se controla, garota. Não posso ficar te carregando o tempo todo. — Minhas palavras saíram mais duras do que pretendia, mas ela só me olhou, com aqueles olhos vazios.

Conseguimos subir até o apartamento. O silêncio só foi quebrado quando fechei a porta. Ela se jogou no sofá, as mãos tremendo, o corpo todo tenso.

— Você não vai me devolver pra eles, né? — Ela falou sem olhar pra mim, a voz dela era um sussurro, quase inaudível.

— Não sou do tipo que devolve ninguém — resmunguei, cruzando os braços. — Mas também não sei por que te trouxe aqui.

Ela finalmente levantou o olhar pra mim, os olhos grandes, claros, cheios de um medo que eu não podia nomear. E talvez fosse essa a razão. Talvez fosse o jeito que ela olhou pra mim, como se eu fosse alguma coisa além de um monstro. Eu não era, mas naquele momento, a maneira como ela me via... me fez hesitar.

— Vou te deixar aqui por um tempo. — Decidi enquanto a olhava. — Mas se fizer merda, se tentar fugir, tá por sua conta. Entendido?

Ela assentiu rapidamente, como se a ideia de ser deixada sozinha fosse a melhor coisa que ela já ouviu.

— Obrigada... — Ela murmurou, mal abrindo os lábios.

Eu só balancei a cabeça, virando as costas. O peso daquela decisão começou a me atingir de verdade enquanto eu me afastava. Era a primeira vez que eu pensava em alguém além de mim. O que diabos eu tava fazendo? Essa merda ia me custar caro, eu sabia.

Quando saí do apartamento, o vento da noite trouxe aquele silêncio perturbador que só vem depois do caos. O morro agora era nosso, mas, de alguma forma, não parecia como uma vitória. Olhei pra porta fechada do apartamento, sentindo uma ponta de arrependimento crescendo no peito.

Talvez essa tenha sido a pior decisão da minha vida. Ou talvez... tenha sido a única que fez sentido.

Mas eu ainda não sabia.

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⏰ Última atualização: 7 days ago ⏰

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