Conto 3: Mundo Selvagem

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Faziam exatos onze dias que eu havia saído daquela bendita consulta que passava obrigatoriamente a cada dois meses. Tudo bem que a minha profissão não era das melhores, mas eu sempre procurava me manter protegida.

Onze dias atrás eu estava eu sentada naquele hospital branco demais com longarinas desconfortáveis e com aquelas crianças chorando perto do meu ouvido.

Eu suava como uma porca e sentia como se fosse vomitar a qualquer segundo - e talvez eu fosse mesmo.

- Mariana Martins. - Antes que eu começasse a correr em direção ao banheiro, o doutor Angelo me chamou para a sua sala.

Quase corri para o consultório e me sentei na cadeira de frente para ele. Meu olhar encontrou o do doutor Angelo que parecia sempre impecável com seus quarenta e tantos anos, sorriso de dentes perfeito, lábios em uma linha fina. Os olhos eram verdes majestosos e seu cabelo castanho escuro sempre arrumado o deixava com um ar mais sério.

- Muito bem, fez os exames que pedi? - Perguntou e eu apenas assenti, entregando os papéis para ele.

Eu não sei se ele sabia que eu exercia a profissão mais antiga do mundo, mas todos os meses era a mesma história: vir ao ginecologista e fazer exames de sangue para ver se não estava com alguma doença sexualmente transmissível - não que eu não me prevenisse, mas a boca era um local meio complicado de se lidar com alguns clientes, se é que me entendem. Talvez ele desconfiasse já que se passaram dois anos nessa rotina.

- Hm... Eu não sei se tenho boas ou más notícias. - Ele começou a dizer com um meio sorriso nos lábios e nossos olhares se encontraram. - Você está grávida, senhorita Martins. Devo lhe dar os parabéns?

A notícia me atingiu em cheio. Eu não sabia o que pensar, não me lembrava de como se respirava e nem de como se segurava a comida dentro do estômago. Então coloquei tudo o que eu havia comido naquela manhã para fora dentro da pequena lixeira de metal do meu querido ginecologista.

Saí da sala dele sem dizer nada. Ainda sentia como se eu fosse vomitar a cada expirada. Me peguei pensando no modo como ele havia dado a notícia e, aparentemente, ele estava ciente do tipo de profissional autônoma que eu era, não era burro. Assim que estava bem longe do hospital, me sentei na calçada e desatei a chorar.

Como eu pude me descuidar desse jeito? Eu sempre me cuidava com anticoncepcionais e a maioria dos meus clientes usava camisinha. Quem poderia ser o pai dessa criança? Eu poderia dar um jeito em minha vida e ser mãe? Uma criança merecia uma mãe como eu? Então a realidade me atingiu novamente e eu parei de chorar. Era ele, só podia ser ele, o único com quem eu não me precavia: Henrique Garcia.

Minha alteração hormonal estava clara desde aquela consulta. Passava do riso ao choro em um estalar de dedos. Por vezes eu me pegava a alisar minha barriga, distraída, pensando em algum nome, no sexo. Aborto estava descartado. Apoiava quem quisesse fazê-lo, mas eu não queria. Adoção? Eu não acho que tinha estrutura o suficiente para entregar uma criança nas mãos de um estranho. Eu estava decidida em tê-lo e acabar com essa vida de prostituição.

Era dia do senhor Garcia passar para me fazer uma visita e eu estava decidida a contar que ele seria pai. Não sei como ele não havia descoberto já que, desde a descoberta, já havíamos transado cinco vezes. Uma pensão seria o suficiente para eu sair do apartamento péssimo de localização igualmente péssima e dar uma boa vida para essa criança que estava em meu ventre. E não viveria apenas da pensão, procuraria um emprego digno para orgulhar meu filho.

Notei quando seu carro se aproximava da minha esquina sempre tão movimentada por homens elegantes, ricos e, muitas vezes, casados. Henrique era um deles, casado com uma mulher ruim como ele bem dizia nos nossos encontros não-sexuais. Eu não costumava a me envolver com meus clientes dessa maneira, mas eu sempre soube que Henrique era diferente. Sempre foi uma química diferente e eu sabia que ele sentia o mesmo.

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