Capítulo 4

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Os meses passaram, e a rotina dos dois foi-se entrelaçando de forma natural, quase sem que dessem por isso. Tomás, que antes passava os seus serenos dias a cuidar da livraria, agora tinha uma companhia constante. Afonso estava cada vez mais envolvido no dia-a-dia do espaço, ajudando nas pequenas coisas, como organizar as prateleiras ou sugerir livros aos poucos clientes que, como ele, vinham mais pelo ambiente do que propriamente pelos livros.

Mas a grande mudança estava a acontecer nos bastidores. Tomás, incentivado por Afonso, começara a escrever. A princípio, foram apenas páginas soltas, fragmentos de ideias e histórias que surgiam na sua mente durante os intervalos de trabalho. Mas, aos poucos, aquelas ideias começaram a ganhar forma. As páginas multiplicavam-se e, sem que se apercebesse, Tomás estava a escrever o seu primeiro romance.

Uma noite, depois de fechar a livraria, Tomás estava sentado no sofá, o portátil no colo, com a luz suave da luminária a iluminar-lhe o rosto concentrado. Afonso, que estava na cozinha a preparar um chá, espreitou pela porta, sorrindo ao ver Tomás tão absorto nas suas palavras.

- Já estás a escrever há horas, amor. Não precisas de uma pausa? - Perguntou Afonso, aproximando-se com duas chávenas de chá fumegante.

Tomás olhou para o ecrã, depois para Afonso, piscando os olhos como se estivesse a sair de um sonho. 

- Acho que sim... perco a noção do tempo quando me envolvo nisto. -  Confessou com um sorriso envergonhado, aceitando a chávena que Afonso lhe oferecia.

- Deixa-me adivinhar... -  Começou Afonso, sentando-se ao lado dele. - Estás a escrever sobre dois homens completamente diferentes que se apaixonam?

Tomás riu-se, abanando a cabeça. 

- Não exatamente... mas acho que não consigo evitar deixar uma parte de nós lá. Parece que tudo o que escrevo ultimamente está de alguma forma ligado a ti.

Afonso sorriu, satisfeito, e pousou a chávena na mesa de centro. 

- Sabes que fico orgulhoso de ti, não sabes? Tens tanto talento, Tomás. Estou feliz por fazer parte disto contigo.

Tomás, tocado pelas palavras de Afonso, inclinou-se para a frente e beijou-o com carinho. Era nos pequenos momentos como aquele que Tomás se sentia mais seguro, mais completo. Afonso não era apenas um apoio, era o seu maior fã, e isso dava-lhe a confiança necessária para continuar a escrever.

- Posso ler-te o que escrevi até agora? - Perguntou Tomás, com uma hesitação leve na voz. Era a primeira vez que se oferecia para partilhar o que tinha escrito.

Afonso endireitou-se no sofá, claramente entusiasmado. 

- Claro que sim! Mal posso esperar para ouvir.

Tomás pegou no portátil e começou a ler em voz alta. A história era sobre um homem solitário, dono de uma livraria numa pequena cidade costeira, que se apaixonava por um estranho que aparecia regularmente, mas sempre sem dizer muito. O estranho era uma espécie de enigma, alguém que, aos poucos, revelava mais de si próprio, mas nunca completamente. À medida que a narrativa avançava, o protagonista descobria que havia mais do que atração; havia uma curiosidade profunda, uma vontade de conhecer o outro por completo e, ao mesmo tempo, uma necessidade de se redescobrir.

Quando Tomás terminou de ler a passagem, Afonso estava em silêncio, absorvendo as palavras. Depois de um momento, olhou para Tomás com um brilho nos olhos. 

- Isto é... incrível. É tão bonito. E tão nós, de uma maneira subtil. Consegues mesmo captar a essência do que é conhecer alguém de verdade.

Tomás sorriu, sentindo-se mais confiante. 

- Achas mesmo?

- Tenho a certeza! - Respondeu Afonso, colocando uma mão carinhosa sobre a perna de Tomás. - Esta história vai ser especial, tal como tu.

Com as palavras de incentivo de Afonso, Tomás mergulhou ainda mais na escrita. As semanas seguintes foram uma mistura de trabalho na livraria e horas passadas no computador, criando um mundo de personagens e emoções que pareciam estar prestes a saltar das páginas. Afonso, sempre presente, lia cada novo capítulo com entusiasmo, apontando as partes que mais o tocavam e sugerindo pequenas alterações, tornando-se o editor não oficial da obra.

Entretanto, o relacionamento entre os dois também continuava a crescer. Começaram a explorar mais o mundo um do outro, com Tomás a acompanhar Afonso nas suas corridas matinais e nos passeios de bicicleta ao longo da costa. Por sua vez, Afonso passava mais tempo na livraria, conhecendo os clientes habituais e até começando a gostar de ler, algo que antes nunca tinha imaginado.

Uma tarde, enquanto estavam sentados num banco à beira do rio, Afonso virou-se para Tomás e, com um sorriso, disse.

- Sabes, a tua história não é a única a evoluir.

Tomás levantou uma sobrancelha, curioso. 

- O que queres dizer?

Afonso pegou na mão de Tomás e olhou-o nos olhos. 

- O que temos aqui, entre nós... é algo que eu nunca imaginei. Sempre vivi a correr de um lado para o outro, sem parar para pensar no que realmente importa. E tu... tu ensinaste-me a abrandar, a apreciar as pequenas coisas. Não sei como explicar, mas sinto que este amor, esta ligação que temos, é algo maior do que nós.

Tomás sentiu as palavras de Afonso profundamente. Ele sabia que o que tinham era especial, mas ouvir aquilo vindo de Afonso tornava tudo ainda mais real, mais palpável. 

- Eu também sinto o mesmo.  - Respondeu, apertando a mão de Afonso. - Nunca pensei que alguém tão diferente de mim pudesse encaixar tão bem na minha vida.

Os dois ficaram em silêncio por um momento, apenas apreciando a companhia um do outro, com o som suave do rio a correr ao fundo. O futuro era incerto, mas naquele momento, tinham a certeza de que estavam exatamente onde deviam estar.

E assim, entre palavras e momentos partilhados, entre a livraria e as paisagens costeiras, a história de Tomás e Afonso continuava a ser escrita, não apenas no papel, mas nas suas próprias vidas, uma página de cada vez, com a promessa de muitos capítulos por vir.

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