Capítulo 5

4 1 0
                                        

Alguns meses depois, a vida de Tomás e Afonso parecia uma dança bem coreografada. As manhãs de corrida à beira-mar eram seguidas por tardes na livraria, onde Afonso ajudava Tomás com os clientes ou, às vezes, apenas observava-o com um sorriso enquanto ele atendia alguém com o entusiasmo característico de quem realmente ama os livros. As noites eram passadas entre filmes, discussões sobre literatura, ou simplesmente aconchegados no sofá com uma chávena de chá.

Mas, num final de tarde, algo diferente pairava no ar. Afonso estava estranhamente inquieto, um contraste com o seu habitual comportamento descontraído. Sentado na mesa da cozinha, ele olhava repetidamente para o telemóvel, tamborilando os dedos sobre a superfície de madeira, como se estivesse a decidir algo importante. Tomás, que preparava o jantar, olhou para ele com curiosidade.

- Está tudo bem? - Perguntou, cortando legumes para o prato que estavam prestes a partilhar.

Afonso levantou os olhos e sorriu, mas havia uma tensão subjacente no seu olhar. 

- Sim, está tudo bem. Na verdade, há algo que quero falar contigo.

Tomás pousou a faca, limpou as mãos no avental e foi sentar-se em frente a Afonso. 

- Diz-me. - Pediu, ligeiramente preocupado pela mudança de tom.

Afonso respirou fundo e, num movimento rápido, puxou o telemóvel para a frente de Tomás, mostrando-lhe uma mensagem. Tomás leu-a rapidamente, era uma oferta de emprego para Afonso, uma oportunidade numa grande cidade noutra parte do país. Um trabalho de sonho para ele, algo que combinava a sua paixão pelo desporto com a possibilidade de gerir um projeto próprio.

Tomás sentiu um aperto no peito, mas manteve a calma. 

- Isto é incrível, Afonso. Quando recebeste a oferta?

- Há alguns dias... -  Confessou Afonso, esfregando o pescoço nervosamente. - E eu... não sabia como te dizer.

- Porquê? - Tomás inclinou-se para a frente, tentando captar o olhar de Afonso.

- Porque significa que vou ter de me mudar. E não sei se... se isso é o que quero agora. Eu estou tão feliz aqui, contigo, com a nossa vida. - Afonso suspirou, finalmente a soltar o que o atormentava. - Mas ao mesmo tempo, é uma oportunidade única. Sinto-me dividido.

Tomás sentiu o coração acelerar. Uma parte de si temia aquela conversa desde o início. Ele sabia que Afonso era um espírito livre, alguém que precisava de movimento, de desafios constantes. Ao mesmo tempo, Tomás sempre se considerara alguém mais enraizado, alguém que encontrava felicidade nas pequenas rotinas da vida. O medo de perder Afonso começou a infiltrar-se, mas ele sabia que não podia ser egoísta.

- Eu entendo! - Começou ele, com a voz suave mas firme. - Sei o quanto isto significa para ti. E não quero que te sintas preso por minha causa. Se é algo que realmente queres, deves ir.

Afonso franziu o sobrolho, claramente tocado pela resposta de Tomás, mas também cheio de dúvidas. 

- Mas... e nós?

Tomás sorriu tristemente. 

- Acho que podemos encontrar uma maneira. Podemos fazer isto funcionar, mesmo à distância. E quem sabe? Talvez eu vá ter contigo de vez em quando, ver como é a vida noutra cidade. - Ele tentou manter o tom leve, mas a ideia de estar longe de Afonso já o estava a consumir por dentro.

Afonso ficou em silêncio por um momento, olhando para Tomás como se estivesse a tentar medir o que ele realmente sentia. 

- Eu... não quero te deixar. - Confessou finalmente. - Não quero que isto acabe.

Tomás sentiu o alívio misturado com a confusão. 

- E então? O que vais fazer?

Afonso levantou-se e começou a caminhar pela cozinha, claramente a lutar internamente. 

- É que... é tão difícil. Sempre achei que o meu trabalho e a minha carreira eram a coisa mais importante para mim. E agora, com isto nas minhas mãos, tudo o que consigo pensar é em ti. Em nós.

Tomás aproximou-se dele, colocando uma mão suave no seu braço. 

- Não tens de decidir agora. Pensa com calma. Eu estou aqui, seja qual for a tua decisão.

Os dias seguintes foram marcados por um silêncio pesado, como se ambos estivessem a tentar ignorar o elefante na sala. Tomás continuava com a sua escrita e a livraria, mas o pensamento de Afonso partir não o deixava. Afonso, por outro lado, passava mais tempo a correr, como se tentasse encontrar respostas nas longas distâncias que percorria ao longo da costa.

Numa tarde ensolarada, depois de um dia particularmente agitado na livraria, Afonso entrou de rompante, com um ar decidido. Tomás, que estava a arrumar alguns livros nas prateleiras, olhou-o surpreendido.

- Acho que já tomei uma decisão! - Disse Afonso, aproximando-se de Tomás com determinação.

Tomás sentiu o coração parar por um momento. 

- Sim?

- Vou recusar o emprego. - Disse Afonso, direto.

Tomás ficou estático, sem saber o que dizer. 

- O quê? Mas... tens a certeza?

Afonso assentiu, com um sorriso tranquilo. 

- Sim. Pensei muito sobre isto, e a verdade é que não quero deixar isto para trás. Não quero deixar-te para trás. Há sempre oportunidades de carreira, mas o que nós temos? Isso é raro, Tomás. E eu não quero perder isso.

Tomás sentiu uma onda de alívio, mas também de amor, tão forte que quase o fez tremer. 

- Tens a certeza? Não quero que te arrependas mais tarde.

Afonso riu-se e puxou Tomás para um abraço forte. 

- Eu sei o que quero. E o que quero é construir uma vida contigo, aqui ou onde quer que seja. O resto? O resto podemos sempre descobrir juntos.

Tomás sentiu-se finalmente em paz. Abraçado a Afonso, soube que, independentemente do que o futuro trouxesse, eles estariam prontos para enfrentar tudo, juntos.

E assim, com uma decisão inesperada mas cheia de amor, Tomás e Afonso continuaram a escrever a sua história. Uma história de escolhas, sacrifícios, e acima de tudo, de um amor que se fortalece perante as adversidades. Um amor que, tal como as páginas de um livro, se desdobra com o tempo, revelando novas camadas e desafios, mas sempre com a certeza de que estão a criar algo único.

Era uma Vez...Onde histórias criam vida. Descubra agora