Viagem astral?

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"Natália, por que você anda escrevendo tantas cartas da Soraya pra Simone ultimamente?"

Bom, pequena gafanhota, é o seguinte: eu sou uma viadona emocionada que está sobrevivendo a uma desilusão amorosa. Parafraseando a minha bio do Twitter, se eu não escrever sobre isso, eu morro. E, francamente, eu não tô nem um pouco a fim de morrer. Essas cartas são as coisas mais pessoais que eu já publiquei na minha vida. Claro, todas as minhas fanfics, sem exceção, tem um pouco (ou muito) de mim, mas esses textos em específico não estavam originalmente no doc onde eu escrevo as ones de Pedacinhos. Eles saíram do bloco de notas que eu tenho no celular. É lá que eu vou rabiscando os meus sentimentos, como num diário. Eu adaptei algumas coisas dessas cartas ao contexto Simoraya, mas, essencialmente, são sobre mim. Porque, repetindo, eu sou uma viadona emocionada. Não vou pedir desculpas por isso, nem deixar de expressar o que eu sinto através da minha escrita, já que eu faço isso desde literalmente os meus seis anos de idade.






Campo Grande, sábado, 20 de janeiro de 2018.




Simone,


Hoje eu sonhei com você. Que novidade, né? Eu ando sonhando com você a cada três por quatro ultimamente. Mas a maioria desses sonhos são flashes. Às vezes, nem isso. Às vezes, eu acordo e me vem só a sua presença em mim; a sensação de que eu sonhei com você e de que eu deveria lembrar desse sonho, mas não consigo. Então, eu forço a minha cabeça e, ao longo do dia, se eu tiver sorte, vou lembrando de uma ou outra coisinha do sonho em questão. Assim, eu te sinto perto, presente. Sinto que você nunca foi embora e que a minha mente ainda tem direito de se ocupar com você.

Mas o sonho da manhã de hoje foi diferente. Não foi um flash nem uma sensação difusa. Eu vi você. Eu vi você inteira. Vi muito bem definido cada contorno do seu rosto e do seu corpo. Eu estava voltando pra casa do mercado; tinha umas duas ou três sacolas na mão esquerda. Cheguei perto do portão do prédio, abri, mas não entrei, porque te vi do outro lado da rua. Você estava perto de algum carro, junto ao meio-fio, e, por um segundo, me pareceu ter te visto debruçada sobre o porta-malas aberto, como quem checa se não esqueceu de nada. Eu congelei. Na hora, não sei se meu coração acelerou até não poder mais ou se parou de bater por completo. O meu olhar perplexo fisgou o seu na hora. Você sorriu largo e em câmera lenta. O seu sorriso continua sendo o mais lindo que eu já tive o prazer de contemplar na vida. Você se iluminou quando me viu. E eu senti algo no peito que me confirmou que eu não só ainda te amo, como também ainda estou apaixonada por você.

Apesar disso, eu fiquei parada e só levantei a mão direita livre enquanto sorria, tímida, mexendo devagar os dedos num aceno desconcertado. Não tentei me aproximar porque eu sinto que não tenho mais o direito de me aproximar de você já há muito tempo.

No entanto, você moveu uma das mãos, fazendo um gesto pra que eu me aproximasse. Eu não acreditei que você estivesse fazendo aquilo. Afinal, você não demonstra que quer se aproximar de mim já há muito tempo também. Mesmo assim, tremendo, eu soltei as sacolas do mercado do lado de dentro do portão do prédio e me afastei alguns passos dele. Você extinguiu a distância que faltava, chegando ao lado da calçada em que eu estava.

Os oito centímetros de altura que você tem a mais do que eu se fizeram notáveis quando você se aproximou, me fazendo olhar sutilmente pra cima, na direção dos seus olhos. Você vestia uma blusa amarela de alcinhas (o dia estava ensolarado e o clima gostoso, leve). Eu pensei: "É claro que ela tá vestindo amarelo! Ela é o sol!". Então, sem falar nada, você me abraçou.

Foi um abraço forte, mas não desesperado ou afoito. Eu ainda estava perplexa, mas tranquilidade transbordava de você. Os nossos corpos se encaixavam perfeitamente e não havia nenhuma fresta por onde pudesse passar ar entre as partes de cima deles. Eu nunca tive grandes questões com o meu corpo. Como toda mulher, tenho uma ou outra pequena neura de vez em quando, mas, nos seus braços, nesse sonho, eu senti toda e qualquer neura que eu pudesse ter se desintegrar. Me senti à vontade dentro da minha própria pele com você, mais à vontade como talvez nunca antes eu tenha me sentido, a ponto de deixar as minhas mãos e os meus braços te colarem a mim sem reserva nenhuma até não poderem mais. E, por você ter me causado essa sensação majestosa, eu quis dizer uma vez atrás da outra que te amo.

— Eu não sabia como te cumprimentar — eu disse em vez disso, baixinho e sem te largar, ainda muito desconcertada, a voz quase falhando. Lembro da sensação da minha bochecha contra a sua. 

Essa, na verdade, é uma dúvida que eu tive várias vezes ao longo da nossa... relação (não me atrevo nunca a dizer apenas amizade, não quando você me pediu um beijo em uma das últimas vezes em que nós nos vimos). Em muitos momentos, durante o tempo em que nós passamos juntas, eu senti (e sei que você também sentiu) que o desejo de um beijo pairava no ar entre nós. Por isso, várias vezes eu tive certeza de que, se nós nos encontrássemos de novo, esse desejo se faria ainda mais urgente dentro da gente. Eu fantasiei muitas vezes com ceder, sabia? Com te dar o beijo que te neguei naquela madrugada, no Rio, e te pedir desculpas pela demora. Com te cumprimentar desse jeito, depois de tanto tempo sem saber de você. E eu tinha certeza de que você iria querer isso tanto quanto eu. Mas, com o passar do tempo, eu fui perdendo essa certeza até não saber dizer mais se você gostaria sequer que eu te abraçasse se a gente se esbarrasse pela vida algum dia.

Porém, nesse meu último sonho, você não só quis o meu abraço, como tomou a iniciativa e não me largou até eu acordar. A sua resposta ao meu comentário foi uma risadinha doce e breve, como quem diz "deixa de ser boba". Eu, de olhos fechados e deixando as mãos passearem pelas suas costas, sentindo o frescor do tecido da sua blusa, mergulhada em você, mergulhei em mim também, tentando descobrir se aquele sentimento de antes ainda existia dentro de mim. A minha conclusão foi a de que, sim, aquele velho sentimento ainda existia. Eu senti ele reacendendo no meu peito como a chama de um fósforo, que começa com uma fagulha e vai crescendo. Eu juro que me lembro da sensação de deixar esse sentimento crescer e tomar conta do meu peito até que ele transbordou de mim.

Eu sentia uma paz inenarrável e te sentia sorrir o tempo todo. Sabe aquilo que dizem sobre um abraço ser o encontro de dois corações? Era isso. Eu sentia o seu coração rente ao meu e, meu Deus, era tudo tão puro! Eu já tive incontáveis outros sonhos com você; sonhos em que o tesão era o que se apoderava de mim, mas nesse foi tão diferente! Algo na sua presença ali era quase angelical. Como se você tivesse sido enviada a mim com a missão de me acalmar. Acalmar a saudade que eu sinto de você. Acalmar a minha mente acelerada e o meu coração, que jamais conseguiu regenerar o pedaço dele que você levou embora.

Por conta de toda essa pureza, se eu acreditasse em viagem astral, diria que esse sonho foi uma. Será que você sonhou comigo ao mesmo tempo e essa foi a forma de as nossas almas se reencontrarem? É louco, é improvável, mas eu fui confortada por esse pensamento assim que eu abri os olhos e não te vi comigo. 

Ou será que esse sonho tão puro, depois de tantos outros que eu comecei a ter com você ultimamente, não foi uma espécie de presságio que quis me dizer que nós vamos nos reencontrar em breve? Que a nossa conexão ainda pulsa e que esse pulsar ainda vai acabar nos reunindo?

O meu lado cético diz que o mais provável é que a minha mente, que tanto me atazana em dias normais, tenha tentado me dar um pouco de serotonina com esse e outros sonhos em que você é a estrela.

Os fatos são que eu me senti tocada pela sua presença nesse sonho específico de um jeito sem precedentes, e que eu amo sonhar com você e te sentir presente o dia inteiro quando isso acontece. Confesso que, de uns tempos pra cá, tenho sempre tentado ir dormir pensando em você, pra aumentar as possibilidades de mais um encontro. Confesso, por fim, que amo a ilusão que esses sonhos me dão: a de que você ainda é minha. 

Espero viajar até você hoje à noite de novo. 



Com amor e uma esperança que não morre nunca,

Soraya.

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⏰ Última atualização: Oct 21, 2024 ⏰

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