A chuva caía em torrentes, transformando as ruas de paralelepípedo em rios correndo para um destino incerto. O barulho constante da água batendo contra o asfalto abafava o som de seus passos apressados, mas Alice sabia que não estava sozinha. Sentia uma presença. Por mais que se convencesse de que estava sendo paranoica, o frio na espinha não mentia.
Puxou o casaco mais perto do corpo, o couro preto se encharcando rapidamente. Era tarde demais para voltar atrás. Tinha decidido sair de casa, precisava de ar, de clareza, mas agora, perdida no centro da cidade sob a tempestade, a sensação de sufoco era ainda mais intensa. O vento soprava forte, jogando seus cabelos longos e castanhos para o rosto, enquanto os relâmpagos iluminavam brevemente o céu. Em momentos como esse, tudo o que ela queria era se afastar do caos de sua vida, mesmo que isso significasse se perder nas sombras de uma noite impiedosa.
Virou uma esquina e parou por um momento embaixo de uma marquise, respirando com dificuldade, tentando controlar o medo irracional que sentia. Sabia que algo estava errado, sentia isso desde o início da semana. Era como se estivesse sendo observada, como se um par de olhos invisíveis a seguissem em cada passo. Talvez fosse o cansaço falando, os pesadelos constantes que a atormentavam desde o aniversário de 25 anos, na semana passada. Mas, dessa vez, não parecia ser só sua mente pregando peças.
E foi então que ela o viu.
Ele estava parado do outro lado da rua, uma silhueta alta e imóvel, um vulto sob a chuva que parecia indiferente à tempestade. Mesmo à distância, algo no modo como ele a observava fazia seu coração bater mais rápido. Não era um olhar comum. Não era como os olhares que recebia na rua, de homens que passavam e sequer percebiam sua existência. O olhar desse homem era profundo, penetrante, e ele parecia conhecê-la de uma forma que ninguém mais conhecia.
Alice respirou fundo, tentando recuperar o controle de si mesma. "É só um estranho", pensou. "Está apenas passando." Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que não era verdade. Ele não estava passando. Ele estava ali por ela.
Dante Cardone.
Ela não sabia seu nome ainda, mas seu destino já estava selado.
Ele deu um passo à frente, lentamente. A maneira como ele se movia era calculada, predatória. Como se estivesse se aproximando de uma presa, e Alice soubesse que, naquele momento, ela era essa presa. Seus olhos escuros eram impossíveis de ler, mas a intensidade com que a observava era inegável. Havia uma tensão quase palpável no ar, algo que fez Alice hesitar antes de decidir o que fazer.
Ela recuou um passo, seus olhos ainda fixos nos dele, mas algo dentro dela gritava para que não corresse. Não havia para onde correr. Ele a encontraria, como já havia feito naquela noite. E, no fundo, uma parte de Alice queria saber o que ele faria quando finalmente a alcançasse.
"Você está perdida?" A voz dele atravessou a distância entre eles como um trovão. Grave, suave e perigosa, o tipo de voz que poderia acalmar e assustar ao mesmo tempo. Mesmo que as palavras fossem comuns, a maneira como ele as disse carregava um peso que não poderia ser ignorado.
Alice abriu a boca para responder, mas as palavras se perderam. Não sabia se era o medo ou a atração inexplicável que sentia por aquele estranho. Talvez fosse ambos. Por fim, ela balançou a cabeça, tentando recuperar algum controle da situação.
"Não, eu... estou bem." Sua voz soou fraca, quase inaudível sob o som da chuva.
Dante sorriu. Um sorriso mínimo, que não chegou aos olhos. "Você não parece bem." Ele atravessou a rua, seus passos lentos, mas decididos. "Na verdade, parece que está fugindo de algo. Ou de alguém."
"Eu não... não sei do que você está falando." Alice tentou soar firme, mas falhou miseravelmente. Tudo no homem à sua frente a desconcertava. O modo como ele se movia, como a olhava. Havia uma força nele, algo além da presença física. Algo obscuro, mas inegavelmente atraente.
Ele parou a poucos metros dela. Alice finalmente pôde vê-lo com clareza. Era alto, muito mais do que ela imaginara. Os cabelos negros estavam molhados, grudados na testa, mas seus olhos continuavam firmes, observando cada movimento seu. Trajava um terno escuro, impecável, apesar da chuva, o que só contribuía para a aura de controle absoluto que ele emanava.
"Eu conheço você, Alice." A maneira como ele disse seu nome fez com que todo o corpo dela se enrijecesse. Como ele sabia seu nome? Ela não se lembrava de tê-lo visto antes, e mesmo assim, havia uma familiaridade em seu tom que a deixou ainda mais confusa.
"Quem... quem é você?" A pergunta escapou antes que ela pudesse se impedir. Seu coração batia tão rápido que ela sentia como se ele fosse saltar do peito.
Dante deu mais um passo em sua direção, inclinando a cabeça levemente enquanto estudava sua reação. "Você descobrirá em breve."
Antes que ela pudesse responder, algo dentro dela quebrou. Talvez fosse o medo, talvez fosse a tensão insuportável daquele encontro, mas, sem pensar duas vezes, Alice virou-se e correu. Seus pés batiam contra a calçada molhada, o som da chuva se misturando ao de sua respiração ofegante.
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Sob o véu da Escuridão
RomanceDescrição: Em Sob o Véu da Escuridão, Alice Moraes sempre soube que havia algo de errado com sua vida, uma sombra constante que ela não conseguia compreender. Criada em um orfanato e agora com 25 anos, ela tenta manter uma vida simples, até que um e...