𝒮𝓊𝓇𝓎𝒶
Amarrei os últimos pertences no dorso de Cisto, ajustando cada laço com cuidado enquanto ele se remexia com um grunhido baixo. A pelagem áspera e esverdeada era macia sob meus dedos, com o odor terroso e familiar que me acalmava. Cisto, em toda sua força e imponência, tinha sido minha única constante nesse tempo errante entre os Sarendari. Quando ele se acalmava ao meu lado, era quase como se o mundo inteiro pudesse esperar. Mas agora, enquanto os últimos preparativos se alinhavam, eu podia sentir a tensão sutil no ar, uma corrente de inquietude que se espalhava pela caravana.
O sol da manhã ardia na pele, atravessando o tecido da minha túnica de linho escuro, simples, mas reforçada nas mangas e costuras para suportar a vida errante e as mudanças de clima que enfrentávamos. O aroma do ar, misturado com o cheiro amadeirado das fogueiras recém-apagadas e a terra revolvida sob os pés de animais e pessoas, era vívido, bruto, e eu inspirava fundo, como se tentasse prender em mim o espírito selvagem daquele povo.
Enquanto observava, vi Maxon parado à frente, em um diálogo denso com sua tia, Arianis. Ambos estavam próximos ao limite do acampamento, e ele falava em Sarenaric, uma língua que sempre me pareceu mais canção do que fala, com seus sons fluidos e um tom quase sussurrado. Arianis vestia uma túnica longa em tons de cobre e musgo, com detalhes em couro trançado que destacavam sua autoridade. Seus cabelos estavam presos em um coque baixo e adornados com tiras de tecido esverdeado. Arianis, ao que tudo indicava, parecia fazer o possível para convencer Maxon de algo, sua mão esguia repousando firme no ombro do sobrinho.
Enquanto eu os observava, Mikel se aproximou silenciosamente. Ele tinha uma presença discreta, mas impunha respeito de uma maneira que poucos entre nós conseguiam. Seus cabelos loiros, soltos, balançavam ao vento como se fossem fios de luz; uma sombra permanente e séria cruzava o seu rosto. Mikel era o tipo de guerreiro que transmitia uma sensação de impenetrabilidade, o tipo de macho que não carregava palavras vazias, e sua vestimenta era simples, mas reforçada com couro, como a de alguém que preferia a praticidade à ostentação.
Aproximei-me dele, tentando disfarçar a curiosidade. O fato de Cisto não reagir com hostilidade à presença de Mikel era algo que ainda me surpreendia. Era raro meu coiote gigante aceitar qualquer um sem pelo menos mostrar os dentes. Ele ficou calmo, como se Mikel fosse parte do ambiente, um companheiro já familiar ao seu instinto protetor.
— Eu gostaria de saber sobre o que conversam, Mikel, — sussurrei, sem tirar os olhos de Maxon e Arianis.
Mikel seguiu meu olhar, observando-os com a mesma atenção minuciosa que usaria em uma batalha. Ele cruzou os braços, com um leve suspiro, como se ponderasse se deveria compartilhar o que sabia. Em seu rosto, uma expressão contemplativa, um traço de seriedade absoluta.
— Arianis quer que Maxon se vincule mais com o povo Sarendari, — ele começou, a voz baixa e rouca, mas suficiente para eu ouvir sobre o burburinho ao nosso redor. — Ela deseja que ele aprenda, que absorva a cultura, como se isso fosse fazer dele um líder natural.
Eu assenti, compreendendo. Arianis via Maxon como um elo vital, o descendente que deveria caminhar ao lado dos Sarendari e garantir a continuidade de sua cultura. Isso não era uma surpresa para mim; a própria presença de Arianis na caravana e sua insistência em conversar com Maxon já sugeriam isso.
— Mas ele prefere o caminho solitário, não é? — provoquei, observando o olhar distante de Maxon enquanto ele respondia algo à tia.
Mikel deu um meio sorriso, algo raro e breve, uma sombra de humor que, em um piscar de olhos, desapareceu de seu semblante. Ele concordou, olhando para Maxon como quem compreende as contradições de alguém.
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Corte de Sangue e Estrelas - Livro 2 - Fanfic ACOTAR
FanfictionNo coração de Prythian, uma tempestade de conflitos e emoções fervilha entre as cortes. Meses depois de deixar Prythian, Surya embarca em uma jornada de autodescoberta, oscilando entre a vontade de desvendar seus próprios desejos e o intenso sentime...