𝓛𝔂𝓪𝓷𝓪
A brisa salgada trazia o cheiro das ondas, misturado ao odor intenso das algas e do limo que revestiam as pedras do cais. Os pés descalços da tripulação do Lady Lya tocavam o solo úmido, e eu desci lentamente, deixando que a longa saia de tecido negro varresse o convés pela última vez. Pisando na madeira do navio, observei a embarcação por um instante antes de finalmente seguir para o cais de pedra, onde os gritos abafados e os resmungos da tripulação soavam quase como um murmúrio constante.
Não havia muito que fazer sobre onde estávamos, afinal, nem Anthon sabia o nome daquele lugar. Ou, se sabia, não se importava em revelar – suas atitudes tem me irritado mais que o normal. Meu olhar encontrou o dele ao longe, em pé à proa, uma sombra severa em seus traços, como se mantivesse os próprios pensamentos bem guardados, mas prontos para saltar aos dentes de quem ousasse invadir seus segredos. Sentia aquela presença dentro de mim, uma âncora quase tangível, me prendendo ao que nos tornava, no fundo, ainda parte de um passado entrelaçado.
Puxei o manto mais firmemente sobre os ombros, não porque sentia frio, mas pelo peso de estar em terra estranha. Ouvia sussurros, ecos de idiomas que não compreendia ao certo, misturados aos sotaques familiares da tripulação e a línguas desconhecidas, misturadas como fumaça ao longo do porto, tão densa que eu quase podia ver a tensão no ar.
— Fique de olho. Não sabemos o que esperar desse lugar — murmurei para um dos feéricos a bordo, que acenou com um aceno breve de cabeça. Mesmo em seu silêncio habitual, o movimento foi claro.
À medida que nos afastávamos do porto, um frio tênue se instalava sob minha pele. Olhei ao redor e percebi que Anthon me observava de esguelha, seus olhos tão afiados quanto os de um falcão à espreita. Ele sempre era assim, sua natureza desconfiada correndo profunda, talvez tanto quanto sua lealdade ao Lady Lya e à tripulação.
— Sente-se à vontade aqui, Grã-Senhora? — A voz dele rompeu o silêncio entre nós, carregada daquele tom inconfundível de provocação. A audácia de Anthon era, ao mesmo tempo, irritante e fascinante. Mesmo após tudo, ele sempre se permitia esses instantes, como se os papéis que o destino havia nos entregado fossem meros caprichos.
— Pouco importa se estou à vontade ou não. Estamos aqui por uma razão, e só sairemos quando o que buscamos estiver nas minhas mãos — respondi, tentando não deixar que ele visse qualquer traço da hesitação que eu mesma começava a sentir.
Anthon não sorriu como de costume. Isso me preocupou. Nenhuma sombra de diversão em seus olhos:
— Parece à vontade o suficiente para não se importar com quem escuta — a voz de Anthon soou próxima demais, uma insinuação velada em cada sílaba, enquanto ele observava o vai e vem das ondas batendo contra o casco do navio.
Minhas sobrancelhas se ergueram, a ponta de uma resposta ácida já se formando em minha mente. Ele sabia exatamente como provocar, como cutucar uma ferida que eu nem sabia que tinha. As palavras dele se impregnaram no ar denso, carregadas daquela insolência que, tempos atrás, eu talvez até tivesse ignorado, mas que agora parecia inaceitável.
— Cuidado com a língua, Anthon. — Fitei-o com um olhar frio, cada palavra carregada de uma advertência silenciosa. — Meus homens não aturariam sua rainha ofendida. Tenho certeza de que a tripulação já anda inquieta o suficiente sem precisar especular sobre o que acontece dentro de seus próprios pensamentos.
Ele engoliu em seco, uma sombra de desconforto cruzando seu olhar antes que ele retomasse aquela postura indolente e controlada que parecia nunca abandoná-lo. Seus lábios se curvaram em um sorriso tenso, sem humor, e por um breve instante vi algo mais ali, algo além do desprezo que tantas vezes ele usava como armadura. Mas ele manteve o olhar fixo em mim, aqueles olhos escuros como os de um corvo, desafiador como sempre, não cedendo nem um passo.
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Corte de Sangue e Estrelas - Livro 2 - Fanfic ACOTAR
FanfictionNo coração de Prythian, uma tempestade de conflitos e emoções fervilha entre as cortes. Meses depois de deixar Prythian, Surya embarca em uma jornada de autodescoberta, oscilando entre a vontade de desvendar seus próprios desejos e o intenso sentime...