𝓛𝔂𝓪𝓷𝓪
O calor do deserto nos envolvia como um manto opressor. A vastidão das dunas se estendia até onde a vista alcançava, cada colina dourada se movendo lenta, quase ritmicamente, conforme o vento erguia nuvens finas de areia que dançavam ao nosso redor, desvanecendo-se no céu pálido e vazio. Era uma paisagem solitária e infindável, tão intocada que, a cada passo, me sentia ainda mais pequena e insignificante. O sol, impiedoso, estava alto e forte, refletindo nos grãos que pareciam agulhas reluzentes, perfurando minha visão. Diferente dos desertos da Corte Diurna, esse era mais seco, longe do mar.
Eris estava à frente, montado em um cavalo de pelo acobreado que quase se fundia ao brilho das areias. A longa capa esvoaçante que ele vestia era de um tom profundo de vermelho queimado, ornamentada com detalhes dourados que brilhavam em contraste com o ambiente desértico. Ele mantinha o olhar fixo no horizonte, e seu perfil sério e distante refletia um foco que poucas vezes eu havia visto nele. Algo no modo como ele segurava as rédeas, com uma determinação austera, me fez recordar do porquê dele ser o Grão-Senhor da Corte Outonal. Sua presença era como uma chama relutante contra o silêncio e a vastidão do deserto, uma lembrança viva da Corte em que ele reinava.
Lucien cavalgava ao meu lado, com uma postura relaxada que disfarçava a vigilância aguçada em seu olho bicolor. Aquele olho mecânico, girando levemente enquanto ele varria o ambiente, parecia captar cada movimento imperceptível das areias, cada sussurro do vento. Ele usava um manto curto, azul-escuro, preso por uma corrente de prata com o símbolo da Corte Diurna, e sua armadura leve cintilava em um tom de bronze antigo sob a luz do sol. Os cabelos ruivos caíam em mechas sobre seu ombro, e ele parecia quase parte do cenário, um guerreiro de terras desconhecidas, sem pátria, uma figura enigmática entre o céu deserto e o solo arenoso.
Minha mente, contudo, vagava para Anthon. Sua presença parecia ainda recente em minha memória, como se ele estivesse ao meu lado agora, talvez provocando-me com aquele sorriso zombeteiro. Mas ao mesmo tempo, sua ausência parecia um alívio discreto, um espaço onde eu poderia respirar sem o peso da expectativa dele. Eu odiava pensar nele, odiava tanto que não conseguia parar. Eu não queria admitir, nem a mim mesma, mas me sentia menos... vulnerável sem sua mísera presença humana aqui.
Eris parou de repente, e eu senti o cavalo sob mim tensionar. Ele virou-se, os olhos verdes como brasas, avaliando o terreno à nossa frente. Em seu rosto, uma determinação feroz, algo quase primitivo, uma lembrança da corte selvagem e imprevisível que ele governava. Ele virou-se para Lucien, e por um instante, eles se encararam como irmãos, com uma cumplicidade que era tanto natural quanto forjada nas dificuldades de sua infância. Em silêncio, eles compartilham uma compreensão que talvez eu mesma nunca alcançaria com qualquer um deles.
— Ainda faltam algumas horas até onde as dunas formam as primeiras colinas. — Lucien disse, quebrando o silêncio, mas seu tom era baixo, quase como se ele não quisesse perturbar o ambiente quieto ao nosso redor.
— Não queremos fazer paradas desnecessárias. — Eris replicou, a voz firme e autoritária, um lembrete de que ele não tolerava hesitação. — O calor está apenas começando. Quanto mais cedo alcançarmos os Sarendari, melhor.
Eu apenas ouvi, absorvendo as palavras deles enquanto sentia a areia quente contra meu rosto. A simples menção do nome dos Sarendari trazia um frio à espinha, uma sensação de que adentraríamos em um território onde as leis do mundo feérico talvez não se aplicassem. O povo Sarendari era um enigma, suas tradições e feitiços um mistério até mesmo para os Grão-Feéricos. Se Surya estivesse em algum lugar neste deserto, entre as areias e sob a vigília das estrelas, eu sabia que não seria fácil encontrá-la.
Enquanto seguíamos em frente, minhas mãos firmes nas rédeas do cavalo, eu não pude evitar observar Lucien novamente. Ele tinha um ar cansado, uma sombra de algo profundo e antigo refletindo em seus olhos, um peso que eu raramente via tão evidente. Eris também, apesar de seu comportamento inabalável, parecia mais reservado do que o usual. Havia algo naquele deserto que nos cercava, nos sufocava, como se o próprio ar carregasse as vozes dos que haviam atravessado aquelas areias antes de nós.
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Corte de Sangue e Estrelas - Livro 2 - Fanfic ACOTAR
FanfictionNo coração de Prythian, uma tempestade de conflitos e emoções fervilha entre as cortes. Meses depois de deixar Prythian, Surya embarca em uma jornada de autodescoberta, oscilando entre a vontade de desvendar seus próprios desejos e o intenso sentime...