Ressurgir das cinzas

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A força é uma máscara que poucos reconhecem. Por fora, os sorrisos disfarçam as tempestades internas. Ser forte, ser inteligente, acreditar no amor - essas são as armaduras que vestimos, mas não nos preparam para a dor que se infiltra de maneira insidiosa. Quando o amor se despedaça, ele não apenas fere a alma; ele desmantela a estrutura física do ser, como se cada batida do coração deixasse uma cicatriz não visível.

São meses que se arrastam, um ciclo interminável de dor e descoberta. Passo a passo, enfrento os estágios desse luto emocional - a raiva, a negação, a depressão - como se estivesse em um labirinto sem saída. Mas, por mais que eu seja capaz, por mais que eu tente acelerar esse processo, cada um desses sentimentos tem seu tempo. O que talvez os especialistas não nomeiem nas pesquisas são as sutilezas que vão além do óbvio: a insatisfação, o arrependimento, a confusão que flui como um rio subterrâneo, levando embora a clareza que uma vez pensei ter.

A dor, avassaladora e inegável, torna-se física. Sinto o peso de cada lágrima não derramada, de cada palavra que ficou presa na garganta. E é estranho perceber que, em meio a esse turbilhão, acabei negligenciando a única pessoa que realmente precisava de cuidados: eu mesma. Essa dança estranha e insincera entre estar bem ou estar mal, entre lutar e desistir, é como um jogo cruel que não tem regras claras. Seis meses, ou seriam mais? Eu me pergunto onde foram parar todas as minhas certezas.

Mas, ao mesmo tempo, há um fio de esperança que se entrelaça nas sombras. O processo de cura, embora doloroso, é também um caminho de redescoberta. A vida não me para. Eu tenho um futuro para construir, um eu que precisa ser reerguido. Eu aprendo, leio, me entrego a novos hobbies, pedalo pelas ruas como se cada movimento fosse uma forma de libertação. Pinto, maquio, crio - tudo isso me traz de volta a mim mesma, aos pedaços esquecidos da minha essência.

Não foi culpa minha, o jeito que as coisas ficaram. Isso é um alívio e um fardo. É fácil se sentir presa ao que o outro não fez, ao que não se disse, ao amor que não foi correspondido. Como pode alguém que esteve tão perto não conseguir olhar nos meus olhos e reconhecer o que precisamos? Que tipo de amor se permite a indiferença? A sensação de ter sido ignorada se transforma em uma raiva corrosiva, mas é uma raiva que se transforma em força. Eu não posso mais esperar que alguém me diga o que precisa ser feito. Se há um conserto a ser feito, esse é um trabalho que eu devo fazer sozinha.

Abro meu coração, mesmo sabendo que ele pode se machucar novamente. Essa vulnerabilidade é uma escolha, um risco que estou disposta a correr. E mesmo que eu tenha que dar passos para trás várias vezes, é o que faz parte da jornada. Preciso aprender a tomar precauções, a ser gentil comigo mesma, a permitir que o amor chegue de novo, mas com a sabedoria que adquiri.

E assim, sigo adiante, um dia de cada vez. Transformando a dor em resiliência, a perda em crescimento. Porque no final, cada ferida que se fecha traz consigo a possibilidade de um novo começo.

- Sozinho, Caetano Veloso (Recomendação musical para acompanhar a leitura).

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