Vivendo na superfície

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É curioso como amei os boêmios, aqueles cuja vida parecia uma coleção de histórias - vidas movidas por momentos intensos, emoções vívidas, encontros cheios de paixão. Mas havia uma beleza nisso, uma autenticidade em viver à margem, em se permitir a intensidade de um instante, sabendo que ali havia algo genuíno, algo que ia além da pressa. Havia algo de verdadeiro no riso solto, nas noites de conversas que duravam até o amanhecer. Mas é triste ver que, agora, o "ser boêmio" parece ter se tornado uma fórmula, uma máscara em que tudo é raso, onde a história se perdeu na repetição.

A culpa recai fácil sobre os jovens, mas será mesmo deles esse novo mundo tão fugaz? Acho que não. Eles têm sido apenas aqueles que se adaptaram melhor, que aprenderam a vestir a superficialidade como uma armadura. A sociedade gosta de apontar dedos, de julgá-los por esses excessos, mas esquece que o vazio de hoje é fruto de uma cultura que, há tempos, já começou a se despir de sentido, de profundidade. Antes, essas vidas intensas existiam como exceção, e havia algo raro, quase poético nisso. Agora, a norma é outra: uma busca incessante por um prazer que escapa sempre pelas mãos.

Como chegamos a isso? Como o "aproveitar a vida" se tornou sinônimo de viver na superfície, de acender emoções como um fósforo que apaga no primeiro sopro? É como se o significado tivesse sido substituído por uma pressa constante, onde felicidade se confunde com euforia, e a profundidade é evitada a todo custo. O viver feliz se tornou um espetáculo, e o curtir a vida, uma performance de sorrisos para o vazio. Já não é sobre se perder nas próprias dúvidas ou encarar os próprios medos; é sobre viver no brilho superficial de um momento, enquanto o sentido verdadeiro fica cada vez mais distante.

E quem vive tudo isso, realmente leva o quê? Aqueles que enchem suas vidas com festas vazias, com amores que se desfazem no amanhecer e com promessas que nunca foram pensadas para durar - o que ganham, de fato, além de um peso que não sabem nomear? Talvez, no fim, percebam que não viveram coisa alguma, que apenas passaram por cenas montadas, sem nunca se deixar tocar pela beleza de um pôr do sol silencioso, pela profundidade de uma conversa sem hora para acabar.

A verdade é que "aproveitar a vida" nunca foi sobre ter tudo o tempo todo, mas sobre saber encontrar sentido em cada pequeno instante, em cada encontro sincero. O medo, talvez, é que ao final do caminho, percebamos que nada foi real, que cada sorriso e cada toque foram só cenários montados para um público que nunca existiu. Porque, no fundo, quem aproveita a vida é quem sabe se demorar, quem abraça o silêncio, e quem, ao contrário de todas essas pressas modernas, ainda valoriza aquilo que se constrói devagar.

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