Às vezes, tenho a sensação de que estou vivendo uma peça onde o papel principal nunca é meu. Como um ator que entra em cena sem roteiro, improviso falas, gestos, sorrisos. Moldo-me ao enredo dos outros, como se minha própria história fosse apenas um pano de fundo, algo que posso ajustar, reescrever, apagar se necessário. É como se, para existir ao lado das pessoas, eu tivesse que esquecer de quem sou e me transformar no que esperam que eu seja.
E, assim, o palco se enche de vozes, mas nenhuma delas é a minha. Vivo como uma cópia moldável, capaz de se adaptar a qualquer cena, qualquer contexto. Mudo meu tom, minha postura, minhas ambições, até mesmo meus sonhos, tudo em nome de um papel que nem sei se quero. E, no fundo, me pergunto: quem sou eu sem esses disfarces? Sem essas adaptações? O que sobra de mim quando o espetáculo termina, quando as luzes se apagam e o público vai embora?
Essa dependência de viver pelos outros - seja para agradar, impressionar, ou simplesmente pertencer - cria uma espécie de vazio. Um espaço onde a insegurança floresce, como uma sombra sempre presente. Sinto que estou constantemente comparando minha vida ao brilho dos outros, enxergando neles tudo o que me parece faltar. E, quanto mais admiro a confiança, a segurança, as conquistas alheias, mais sinto que estou em segundo plano, como se eu nunca fosse suficiente.
É um papel ingrato, esse de estar sempre nos bastidores da própria vida, assistindo de longe os outros serem protagonistas. A cada cena, tento caber no espaço deles, alinhar minhas falas às expectativas que projetam sobre mim. É um exercício cansativo, pois, enquanto me esforço para interpretar o que eles esperam, vou perdendo de vista o que realmente quero. E, assim, a peça avança, mas a minha história fica em pausa, presa em um ato que não progride.
Talvez a parte mais triste seja perceber o quanto aprendi a acreditar que só posso ser "alguém" através dos olhos dos outros. Que, sem esse palco emprestado, minha existência perde o valor, que não há brilho em ser quem sou de verdade. Mas, no fundo, há uma parte de mim que se revolta, que grita em silêncio, pedindo para ser ouvida. Uma voz que anseia sair dos bastidores e, finalmente, entrar em cena como eu mesma, sem máscaras, sem falas decoradas, sem tentar caber.
Viver a própria vida talvez seja o ato mais desafiador e, ao mesmo tempo, o mais libertador. Significa abandonar o palco dos outros, abandonar a necessidade de se ajustar o tempo todo, e construir meu próprio espaço. É uma espécie de revolução íntima, onde reconheço que há valor em quem sou, independentemente das comparações, independentemente dos papéis que interpretei até aqui.
Talvez eu ainda precise aprender a ser o protagonista da minha história. A aceitar que minha vida pode ser mais que uma adaptação aos outros, que eu posso escrever meu próprio roteiro, mesmo que seja confuso, mesmo que o público não aplauda. Porque, no fim, ninguém consegue viver plenamente com um papel que não lhe cabe. Talvez seja hora de largar as máscaras, abandonar os palcos alheios e começar a encenar minha própria verdade, ainda que tímida, ainda que imperfeita.
E, quem sabe, ao fazer isso, ao dar voz a quem realmente sou, eu finalmente me encontre. Talvez, só então, eu descubra que ser "suficiente" é justamente ser fiel a mim mesma.
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O Cotidiano em Relatos
PoésieOlha, não sou uma famosa, então talvez isso aqui seja só um monte de palavras jogadas por aí. Quem sabe você encontre algum sentido nelas? Ou talvez só risadas. São relatos poéticos sobre o tempo, os sentimentos e as loucuras do cotidiano. É só o de...