prólogo

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Nasci num lar marcado pelo medo e pelo caos. Meu pai era violento, obcecado por minha mãe de um jeito doentio, enquanto a traía descaradamente com outras mulheres. Para ele, cada erro, cada pecado, cada sujeira que ele cometia era culpa dela. Ele a culpava por tudo, como se ela fosse o motivo de todos os seus demônios. Ainda lembro dos gritos, das acusações, do olhar de ódio que ele lançava quando não encontrava respostas para suas próprias falhas.

Minha irmã mais velha era a favorita dele. Não importava o que acontecesse, o olhar de admiração e afeto que ele reservava para ela nunca mudava. Ele a tratava como uma joia rara, algo precioso. Para mim, sobravam olhares vazios, gestos ríspidos e, por vezes, o esquecimento. Se isso me afetou? Talvez. Na época, eu era apenas uma criança, tentando entender o mundo ao meu redor, tentando entender porque nossa família era tão diferente das outras.

As memórias de brigas invadem minha mente como flashes de uma infância que nunca foi inocente. Certa noite, entrei na cozinha e vi minha mãe com os olhos inflamados de raiva, um desespero incontrolável. Ela gritava enquanto lançava pratos e copos na direção dele, os estilhaços se espalhando pelo chão, cortando o ar e os nossos corações. Ele ria, como se aquele fosse apenas mais um show, como se a dor dela fosse algo trivial. E eu, pequena e escondida atrás da porta, tentava não respirar alto, não ser notada, com o medo de que minha presença despertasse nele algum tipo de ira.

Outro dia, em pleno meio da rua, ele a empurrou, atirando-a no chão, ignorando os olhares dos vizinhos. Ela chorava, tentando se recompor, tentando salvar o que restava de sua dignidade. Ele cuspia palavras cruéis, como se cada frase fosse uma sentença, uma punição. A imagem dela, caída e machucada, ficou gravada em minha mente como uma marca indelével, um lembrete de que o amor, em nossa casa, era sinônimo de dor.

E nos dias em que as brigas não eram gritadas para o mundo, minha mãe chorava escondida. Eu a encontrava no quarto, abafando os soluços com o travesseiro, tentando evitar que eu e minha irmã víssemos suas lágrimas. Mas eu sabia. Sabia que cada lágrima carregava um pouco da dor, da vergonha, e da impotência de uma mulher presa em um ciclo de violência.

Os anos passaram. As tentativas de assassinato contra minha mãe se tornaram parte da nossa rotina, um pesadelo constante do qual nunca conseguíamos acordar. Eu lembro de uma noite em que ele a segurou pelo pescoço, sussurrando ameaças enquanto eu assistia, paralisada, sentindo a impotência pesar sobre mim como uma pedra. Não era a primeira vez, e eu sabia que não seria a última.

Até que um dia, ela fugiu. Arrumou nossas coisas às pressas e nos levou, de cidade em cidade, sempre olhando para trás, sempre com medo de que ele nos encontrasse. A última lembrança que tenho dele é de um dia em que ele foi preso. Eu assistia de longe, quase sem entender o que acontecia, mas uma risada escapou de mim, inocente e nervosa, enquanto ele era levado. E então, ele gritou, com o ódio queimando em seus olhos: "Será o seu fim quando eu a encontrar."

Essas palavras ficaram em mim, gravadas como um lembrete sombrio. Eu era apenas uma criança, mas naquele instante, soube que a sombra dele nos seguiria, mesmo de longe, mesmo com ele preso.

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