Capítulo 08

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A faculdade parece sufocante hoje, mas isso não é novidade. Desde aquela noite, tudo ao meu redor parece mais denso, mais escuro, como se o ar estivesse impregnado de um cheiro que não consigo definir. Tento me convencer de que foi tudo uma alucinação, desde o fogo até Hyuk.

Ele está morto, eu o matei. Nada do que aconteceu foi real. Pessoas com um grande nível de estresse podem ter alucinações, ainda mais passando dias a fio acordada, chapada de clonazepam para evitar palpitações insistentes no peito. Eu não o vi de novo, mesmo me sentindo observada pelas sombras que abraçavam meu quarto quando eu apagava a luz.

— Você não vai acreditar — Roberta ofega, com as pernas cruzadas, balançando o pé embalado pelo tênis colorido para frente e para trás.

Viro-me em sua direção, o vento morno da tarde balança seus cabelos negros, os cachos grossos batem em seus olhos e grudam em seu gloss brilhante. Mesmo colocando atrás da orelha, as mechas voltam a cair ao redor do seu rosto como sombras, emoldurando a pele marrom escura.

— O que?

Seus olhos sinuosos finalmente deixam o celular e me encaram. Em um tom vívido de castanho, suas íris parecem brilhar com o sorriso que delineia a boca em formato de coração, o lábio inferior ligeiramente maior do que o superior.

— Sabe aquele menino que eu peguei na festa? — ela pergunta, girando o corpo na minha direção.

Fecho os bolsos abertos da minha mochila, notando com pesar a aparência desgastada do tecido cor de rosa. Seguro o macaquinho empoeirado que pende da argola lateral e brinco com seus braços felpudos com a ponta dos dedos ao encarar Roberta outra vez.

— O que parece o Joe de You?

O sorriso dela aumenta ao fechar os olhos e respirar fundo, como se o simples ato de organizar as palavras já fosse o suficiente para deixá-la extasiada.

— Isso. Eu achei que não ia dar em nada, mas nós continuamos conversando depois da festa pelo instagram. — As unhas longas tamborilam no concreto do banco em que estamos sentadas, de costas para os muros que cercam a faculdade. — E ele acabou de me chamar para sair na sexta que vem.

— Que chique! — Tento parecer empolgada, embora uma faísca de ciúmes me corroa. — Vocês vão aonde?

Experimento uma sensação única e singular que vem disfarçada de medo, misturado a amargura e uma pitada de culpa, sempre que pessoas novas se aproximam do que é meu. Ou do que acho que é meu. Sinto-me ameaçada pelo sentimento conturbado de posse que, racionalmente, eu sei que não deveria ter.

— Ele falou que vai me levar numa social que vai ter numa república. Vai pagar meu ingresso e tudo. Você quer ir com a gente?

— Não — a resposta pula dos meus lábios de maneira automática. — Como você me chama pra ir no seu encontro? — Eu quase rio.

Ela suspira, olhando para frente, com receio de falar.

— É porque você tá um pouco chateada esses dias. É porque Hyuk não está vindo na faculdade, não é?

Suas palavras me assustam como se fossem facas lançadas na minha direção. Eu quase salto, empertigada, meu peito sobe rapidamente com uma respiração entrecortada e eu espero que ela não note o efeito que sua pergunta causa em mim, a forma como o nome desperta o pior em meu âmago.

As quatro letras constituem a membrana tênue que separa o lado racional da insanidade que povoa minha mente. As cenas que aconteceram em frente aos meus olhos ainda parecem um truque de mágica barato, aquele homem morto na minha frente, a vela de sétimo dia, as fotos post mortem. Depois de uma noite de sono, resultaram em lembranças perturbadoras, fruto de um pesadelo.

Não Descanse em PazOnde histórias criam vida. Descubra agora