Cérbero

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Estou no meu quarto que também é meu escritório, rodeada por pilhas de papéis desordenados, tentando trazer um pouco de ordem ao caos enquanto me recupero. O calor suave do fim da tarde entra pelas janelas, aquecendo o ambiente, mas não consegue afastar o frio que insiste em tomar conta de mim. Eu poderia fechar a janela, mas algo naquela luz suave me faz sentir que, de algum jeito, ainda há algo de bom no mundo.

A porta se abre sem aviso, e logo sinto a presença dela. Minha mãe, Lady Evangeline, entra como uma tempestade sem a menor consideração pelo que está acontecendo ali. Ela nunca bate, nunca espera que você esteja pronto. A sensação de sua chegada é imediata, pesada, como um peso no ar.

— Vejo que encontrou um novo canto para se esconder — disse ela, com aquele tom afiado que sempre me deixava desconfortável.

— Não estou me escondendo, mãe — respondi, mantendo os olhos fixos nos papéis à minha frente.
— Estou tentando organizar as coisas.

— Ah, claro. Organizar. Porque agora você é uma heroína, não é? Salvando vidas, protegendo o novo dono deste castelo. — Ela caminhou pela sala, os olhos percorrendo o ambiente como se estivesse inspecionando algo inferior.
— E, ao mesmo tempo, rebaixando o nome da nossa família.

Senti meu estômago apertar, mas respirei fundo antes de responder:
— Eu fiz o que precisava ser feito.

— Fez o que precisava? — Ela riu, uma risada seca que mais parecia um tapa.
— Arriscou sua vida por um homem que sequer pertence a esta casa. Um homem que... roubou tudo o que construí.

Levantei os olhos para ela, tentando manter minha voz firme.
— Ele não roubou nada, mãe. Você sabe que o castelo estava perdido muito antes de Dylan chegar.

— Perdido? — Ela arqueou as sobrancelhas, a incredulidade estampada no rosto.
— Este castelo foi o legado da nossa família por gerações. E você tem a ousadia de dizer que estava perdido?

Engoli seco, mas não desviei o olhar:
— Sim, estava perdido. Perdido em dívidas, em intrigas, em tudo o que você tentou manter quando já não havia mais como salvar.

— Como ousa falar comigo assim? — Ela deu um passo em minha direção, o olhar carregado de mágoa e irritação.
— Eu fiz tudo por esta família, por você!

Desviei o olhar por um instante, lutando para manter a calma.
— Fez tudo por você mesma, mãe. — Minhas palavras saíram baixas, mas firmes.
— Sempre foi sobre sua reputação, sua imagem. Nunca sobre nós.

Houve um silêncio carregado antes que ela respondesse.
— Eu tentei amar você, Hades. — A voz dela soava mais fria do que nunca. 

— Mas você sempre foi tão... difícil. Sempre tão distante, tão teimosa. E agora, você quase morre por alguém que mal conhece.

Minhas mãos tremeram levemente, mas eu as escondi no colo.

 — Talvez eu tenha sido difícil porque nunca me senti suficiente. Talvez porque eu sempre senti que precisava ser perfeita para você.

Ela balançou a cabeça, um sorriso cínico nos lábios. 

— E você acha que Dylan Greyson vê perfeição em você? Que ele merece o sacrifício que você fez?

Levantei a cabeça, enfrentando-a de frente.

 — Eu não fiz isso para ser perfeita para ninguém, mãe. Eu fiz porque era o certo. Porque salvar uma vida importa.

— Não seja ingênua. — Ela bufou, cruzando os braços. 

— Você acha que isso importa no mundo real? Salvar vidas não mantém castelos, não protege legados.

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⏰ Última atualização: 19 hours ago ⏰

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Os medos de Dylan - Livro DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora