Prólogo - Deuses também amam

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Em meio a escuridão da noite, Jyu descansava em uma clareira qualquer das planícies serenas de Hakaido, perto da capital. Aves batendo em retirada dentre as árvores da floresta, quebravam o silêncio que existia no local.

Uma luz vermelha surge em meio a escuridão da floresta de coníferas.

 Passos pesados caminham em direção ao jovem, o qual ainda permanecia em total frieza em relação ao que acontecia. As mãos de Jyu se direcionam lentamente para sua espada. Nuvens negras tomam a forma de um grande espiral; raios e trovões se projetam por toda a planície. Eis que uma voz distorcida ecoa pelos pinheiros avermelhados.

- Jyu! Seu tolo! Como pôde fazer isso com seu próprio pai?!

- O que seu filho fez contra ti, Khaos? – disse o jovem gargalhando à figura de aspecto bestial.

- Como pudeste me desobedecer de tal modo? Engravidaste uma das crias de Katsusei!

- Qual o problema? Sou livre para fazer o que bem entender agora! Cansei de sua manipulação barata! Como você pôde? Fazer de seus dois únicos filhos meros fantoches para aliviar sua sentença? 

- Pare de falar tolices, seu verme! Desobedecestes uma ordem minha em meu próprio planeta! Devido a tal situação, você não me deixa escolha... - imediatamente, uma energia negra surge fluindo pelos dedos disformes do deus bestial. Uma lança de comprimento maior que seu portador se forma, em suas extremidades, lâminas negras banhadas por um líquido negro. - um de nós terá que sair deste local sem vida! - O formato de lança começa a reduzir, fazendo com que suas dimensões diminuam até atingir as proporções de uma espada oriental. Inscrições e hieróglifos entalhados na superfície da lâmina, embalsamada pelo líquido negro, compunham a nova arma do deus bestial.

- Eu sou Khaos, Lorde do Medo! E você perecerá sob minha espada! Filho ingrato! - ruge Khaos erguendo sua lâmina negra em direção ao jovem.

Os dois se encaram por alguns segundos, sendo capazes de ouvir os batimentos um do outro em meio a tempestade que se fazia no local. Ao som do desembainhar da espada de Jyu, os corpos rígidos dos dois deuses começam a se mover em alta velocidade na mesma direção. Suor escorre pelo rosto de Jyu.

- Então, que seja! - brada o jovem deus.

A luta começa. O tilintar das espadas ecoa sobre todo o plano terreno. Os dois deuses lutam intensamente durante três seguidos anos. Sem descanso, sem perda de energia, sem sentimentos. A única coisa que compartilhavam, naquela batalha, era o anseio pela morte de seu oponente. O sangue Roxo-azulado cobria diversas partes da planície, a qual se encontrava totalmente destruída. Aos poucos a lava brotava no solo, se espalhando pelas crateras, veios e rachaduras que compunham a superfície terrestre.

Em um momento de lucidez em meio ao furor da batalha, Jyu deixa sua guarda suficientemente aberta para que Khaos o golpeasse fatalmente. Portanto, ao dar um golpe certeiro no ombro direito do lorde do medo com sua espada banhada de sangue divino, Jyu sente algo perfurando todos os seus órgãos da parte inferior de seu tórax. Um grito de dor incontrolável ecoa por toda Tsun Dji. O corpo quase desvigorado de Jyu se ajoelha aos pés de Khaos, o qual permanece inabalável.

- Filho meu, sangue do meu sangue, cria de Kibo e Kaosu, nobre guerreiro, aquele que se fez homem entre os mortais. Filho meu. Filho Ingrato! Falhaste comigo, porém sou misericordioso; terás agora uma chance de se redimir de seu erro estúpido. Mate-a e volte comigo para a morada dos deuses.

Jyu sorri. Seus punhos se contraem. Sua respiração aumenta.

- Tolo! Ainda achas que pode mesmo me comprar com sua lábia? Achas que não sei o que fizeste com meu irmão? Insolente! Como minha amada mãe foi se apaixonar por um verme como você? Não terás mais um dedo de ajuda meu em suas obras! Tu ainda cairás sobre tuas falhas! Tu és um verdadeiro...

- Basta! Cairei sobre meus erros, mas é só uma questão de tempo para que meu retorno seja glorioso e devastador, não só para esses humanos depravados, mas também para todo o Hadalla! Esqueces que sua imortalidade vale apenas para os homens e não para outros deuses! Terás agora uma maldição sobre sua descendência! Todo aquele que tiver o sangue divino de Jyu - Nokaisai, receberá um corte na face como esse que farei na sua. E que todos aqueles que tiverem este corte serão caçados e mortos por minhas mãos quando eu retornar! Quero que meu retorno seja triunfal, portanto a morte de guerreiros como você irá torna-lo mais glorioso ainda! - a fala é seguida pelo som ensurdecedor da gargalhada do deus.

Jyu se levanta retirando a espada de Khaos de dentro de seu abdome, desferindo assim um golpe em direção à face demoníaca e risonha do lorde do medo. Ao perceber a manobra do jovem, o deus bestial desvia do golpo rapidamente e prontamente agarra Jyu por seus longos cabelos e puxa o jovem para perto de si. Jyu, ao ser puxado deixa que seus punhos desfalecidos e fracos soltem a espada de Khaos.

- Agora você morre. - sussurra o lorde do medo nos ouvidos de Jyu.

Khaos crava seus dedos no semblante imóvel do jovem deus e os puxa com toda força, marcando toda a face de Jyu. O corpo do jovem deus é arremessado para poucos metros do deus bestial, o qual caminha, munido de sua lâmina, na direção do corpo de Jyu.

O jovem tentava erroneamente se levantar quando Khaos o atinge com um soco, colocando-o de joelhos novamente. 

- Últimas palavras, filho? - fala Khaos em um tom sarcástico e doentio.

Jyu sorri mais uma vez. Tinha certeza que seria a última.

- Sacrifícios são necessários para se conseguir a real liberdade, esse vai ser o início de sua queda! - grita Jyu ao deus furioso.

Ao som trovejante do grito de Khaos, a lâmina do lorde do medo desliza pelo ar graciosamente até encontrar o crânio de Jyu e agressivamente parti-lo ao meio, arremessando sangue divino no rosto do deus bestial, sangue o qual também escorria pelos dedos negros de Khaos. Um sentimento de prazer toma conta dos pensamentos do lorde do medo. Tinha nas mãos o sangue de seu filho. O sangue de um traidor. O deus ouve as últimas batidas do coração de seu filho. Um sorriso se faz no rosto de Khaos. A ideia da morte de um deus soava de uma maneira gratificante em sua mente. Sentia algo estranho. Algo bom.

Silêncio.

Tudo se faz bom novamente, as árvores, pássaros, animais terrestres e insetos.

Alguém se aproxima.

O brilho de seu olhar cegava os sentidos do deus banhado de sangue. Era ela, a deusa que trouxe Jyu ao mundo. Kibo, mãe da luz. Mãe de Jyu e de Katsusei.

A luz que emanava de seu corpo era tamanha que se estendia seu brilho por toda Tsun Dji, cegando a todos os habitantes, com exceção do lorde do medo. Sua ira era tamanha que todas as rochas do planeta estremeciam novamente mediante à sua presença. Sua voz era serena e branda, o que contrastava com sua aparência naquele momento. Era ela incomparavelmente bela, porém sua face estava manchada por lágrimas roxas e apresentava uma expressão de nojo perante ao deus petulante.

- Você matou o nosso filho. Você desonrou o código dos deuses. As leis do criador foram feitas cinzas por suas ações profanas. Você será julgado por todo o corpo dos deuses. Inclusive Katsu...

- Calada! Se quer cuidar dessa escória inútil, que cuide então! Mas não falarás nada para deus algum! Ou então também sofrerá minha ira! - grita Khaos posicionando sua lâmina na direção de Kibo.

- Não preciso falar palavra alguma! Achou mesmo que não iriam te assistir desde que foi mandado para cá? Serás sim julgado, mas desta vez não estarei ao seu lado.

- Dane-se você! Não preciso de ninguém para me apoiar! Quanta tolice!

O clarão se desfaz.

O chão se aquieta novamente.

O corpo de Jyu repousa no chão em meio ao seu próprio sangue.

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