Andrei viu o olhar curioso e escuro de Olenka sobre a sua peça de barro e estremeceu. Realmente, o vaso não estava tão bom quanto o primeiro. Estava grosso e tinha calombos de onde seus dedos tinham apertado para que o vaso fosse moldado. Era para ser um vaso de colocar flores, mas parecia mais um vaso de buscar água no rio. Era rude demais para ser um vaso artesanal. E tinha sido feito para um nobre, isso sim era a pior das coisas.
–Ele tem muitas marcas de dedos... – o homem observou e seu olhar reprovava o vaso.
–Eu sei... – o rapaz disse, enrolando nervosamente uma mecha de seu cabelo nos dedos.
–Você tinha percebido antes?
–Tinha.
–E por que não corrigiu?
Andrei abriu a boca para falar, mas tudo o que saiu foi um suspiro triste. Tinha de aceitar os fatos como eles eram: Olenka não havia gostado do vaso e não havia nada que ele pudesse fazer para mudar isso.
–Eu estava estressado quando eu o fiz porque, na verdade, eu tive de refazê-lo e eu não estava com muita paciência para aquilo.
–Por que teve que refazer?
–Porque o imbecil do meu namorado quebrou o prime... – o loiro parou de falar assim que notou o que tinha dito. "Namorado". Ele tinha se referido a Aleksi como namorado... – Ah, me desculpe, senhor... - ele corou, baixando a cabeça.
Olenka riu, levantando as sobrancelhas e Andrei sorriu desajeitado.
–Você é sincero, Andrei. Gostei disso em você, poucos são sinceros hoje em dia. Sobre o vaso... Relaxe. Era só um teste.
–Teste?! – disse, surpreso.
–Queria ver o seu esforço e motivação para fazer algo. Agora que você refez ovaso, eu não tenho dúvidas. Você será o meu novo aluno.
Andrei cerrou os dentes para conter as lágrimas.
–Obrigado, Olenka. – ele disse de forma contida, mas era óbvio que estava prestes a explodir de felicidade. – Você não sabe o quanto isso é importante para mim.
O homem sorriu timidamente, vendo o sorriso gigante que se instalou nos lábios do jovem.
–Quer me dizer alguma coisa antes de começarmos?
–Hmm... Acho que não.
Dito isto, ele conduziu o menino até um cômodo de sua casa, onde tinha uma cama linda, uma escrivaninha cheia de papéis, livros e cadernos e várias lamparinas para manter o quarto iluminado.
–Esse é o meu escritório. – ele explicou, pedindo para que Andrei se sentasse à escrivaninha.
O artesão o fez, timidamente. Era a primeira vez que um nobre o convidava a se sentar, e principalmente em um lugar tão importanteda casa como o escritório. Olenka abriu a página de um caderno novo e colocou uma pena com tinteiro ao lado do caderno.
–Se eu te dou esses dois, o que você faz agora?
O rapaz sentiu um calafrio percorrer o corpo e começou a gaguejar, procurando uma resposta.
–Eu... Já vi muitos escrivães fazendo... Mas eu... Não sei como se faz...
Ele queria cavar um buraco e se esconder lá, com vergonha. Com certeza estava mais pálido que leite, naquela hora.
–Não tem problema. Eu vou te ensinar a escrever.
–Escrever?! – Andrei o olhou curioso, ainda se sentindo frio. O outro balançou a cabeça positivamente e colocou a pena na mão dele, que a segurou de um jeito errado.
–Não, faça assim. – ele ajeitou os dedos do menino para que encaixassem corretamente ao corpo da pena. Andrei, no começo, sentiu um pouco de dificuldade e dor. – E agora... – disse, guiando sua mão para que ele mergulhasse de leve a caneta no tinteiro. – Sabe escrever seu nome?
O rapaz balançou a cabeça negativamente.
–Andrei Arhipov, não é? – perguntou.
–Sim.
Num piscar de olhos, Olenka guiou sua mão para que corresse no papel e o cortasse com a tinta preta. Andrei ficou boquiaberto e riu um riso nervoso e fraco. Aquela combinação de linhas flúidas era simplesmente maravilhosa.
–É assim que o meu nome é escrito?!
–É. – o mestre sorriu ao ver o brilho nos olhos do garoto. Para ele, nada era mais gratificante do que aquilo.
–É lindo. Ele é lindo!
–Tente copiá-lo agora. Eu já volto.
Andrei balançou a cabeça positivamente e passou a treinar cada letra de seu nome, tomando cuidado para não colocar muita pressão na caneta. Uma vez ele tinha quebrado a caneta de um escrivão que, bondosamente, tinha deixado-o tentar escrever... Porém ele a pressionou com tanta força contra o papel que o bico entortou. Claro que o escrivão ficou furioso. Ele tinha cinco anos na época.
А...н... д... р... е... й
Não, essas estavam muito tortas...
Архипов...
Muito escuras e grandes...
Olenka caminhou até a janela da sala de estar e olhou o vaso rude que ainda estava em cima da mesa. Era um vaso grosso e rude, mas era bem pintado. Na verdade, era cuidadosamente pintado. Era Andrei.
Pediu para um de seus servos que colocasse o vaso no centro da mesa, na qual ele fazia reuniões importantes. O homem olhou torto para o vaso, mas obedeceu à ordem.
–Obrigado... – Olenka sussurrou e o servo abaixou a cabeça, constrangido, sem saber o que dizer. Era a primeira vez que seu mestre falava assim com ele. Ele tinha agradecido.
"Quem diria que um filho de artesãos conseguiria me mudar, Olenka Kniazev, de pedra..."
–Acho que consegui, Olenka! – a voz animada de Andrei soou pelo corredor. Olenka foi até o quarto e o encontrou encostado à cadeira, admirando seu trabalho com orgulho no rosto.
Olhou para a folha toda rabiscada com o nome do rapaz. Ele tinha pegado o jeito, seu traço era suave até demais, mas ainda faltava ganhar precisão nas formas das letras.
–Está ótimo. – disse. – Agora vamos treinar a pronúncia. O "A"tem som de...
–Ah. – Andrei respondeu, rindo timidamente.
–Esse "н" tem som de "êne".
–"An" – o rapaz pronunciou e o outro levantou as sobrancelhas, surpreso.
–Pode me dizer qual é o som das outras letras?
–"д" tem som de "dê"... "p" de... Rrr!– ele riu novamente e Olenka se permitiu rir um pouco também. – "e" de "ê"... "й" de "i".
–Isso. Consegue perceber a relação entre elas? O som delas forma a palavra"Andrei".
–Sim...– Andrei refletiu, sorrindo.
–Acho que por hoje é só. Mas vou te dar um poema. Você tem que reescrevê-lo e lê-lo em voz alta, para treinar em casa. Tudo bem?
–Tudo bem.
O mestre rabiscou rapidamente o poema em outra página do caderno. O humilde rapaz observou surpreso.
–Parece difícil. – ele comentou.
–É menos difícil quando você sabe o significado. Aí fica prazeroso. Pode ficar com o caderno. – Olenka sorriu.
Andrei deu um sorriso grande e o abraçou, sem conseguir se conter por mais tempo.
–Obrigado, senhor Olenka. Amanhã eu o trago para o senhor.
–Está bem...
O artesão correu para fora da casa e Olenka ficou parado, sentindo como se tivesse sido tocado por um anjo.
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Na Terra Crua
AventuraEra o tempo dos deuses antigos e da conquista de territórios, da espiritualidade e da guerra. Uma pequena e anônima vila russa é ameaçada de ataque por parte do exército turco. Neste meio, a história de Andrei Arhipov é contada; um jovem artesão, de...