Depois de uma semana, Andrei já conseguia escrever razoavelmente bem e conseguia ler textos simples. Estava progredindo bem para alguém que nunca tinha pegado numa caneta. Às vezes, quando ele terminava de fazer os vasos, ele se sentava e reescrevia os textos que Olenka dava a ele. Era um bom exercício. No entanto, eles ainda não tinham começado as aulas de arco e flecha, estavam ainda focados na escrita e na leitura. Mais do que ser só um arqueiro e saber atirar, Olenka queria que Andrei ampliasse os seus conhecimentos. Ele aprenderia muito com livros.
Já era de noite, Andrei tinha perdido a noção do tempo, copiando textos e lendo-os em voz alta. Ele devia estar em casa a essa hora. Nem percebeu quando a porta da olaria foi aberta e a figura cinzenta entrou por ela.
–O que você está fazendo? – Sergej perguntou, se aproximando.
O rapaz deu um pulo de susto, derrubando o caderno que estava sobre suas coxas. Fechou os olhos, suando frio, enquanto o pai se abaixava e recolhia o caderno do chão. Ouviu o barulho de folhas se mexendo e uma risada debochada.
–Onde você conseguiu isso? – o homem perguntou com um leve tom ameaçador na voz.
–Me deram. – Andrei tentou responder firmemente, mas soou amedrontado.Suas mãos começaram a suar.
–Você escreve?! – seu tom se tornou ainda mais ameaçador. O loiro não respondeu nada, apenas abaixou a cabeça, olhando para as botas de seu pai. Eram botas de cavalgada. Seu pai só saía com Leshy quando estava estressado – Te fiz uma pergunta, Andrei.
–Escrevo. – ele engoliu a seco.
Outra risada debochada saiu da boca do pai.
–Quem está te ensinando?
–Um... – Andrei conseguiu sentir um começo de lágrimas querendo se formar em seus olhos, mas as repeliu. – Um nobre.
A respiração de Sergej ficou mais pesada e lenta.
–Sim... Você vai devolver isso a ele amanhã. Esqueça tudo o que você aprendeu, meu filho. Você é um artesão, não precisa escrever. Você tem essas mãos para fazer vasos, os melhores vasos da vila. Mas escrever é algo de nobre e escrivães...
–Não vou morrer como um artesão. – o jovem disse, e antes que pudesse piscar, a mão de seu pai foi de encontro ao seu ouvido.
–Não pense que você pode mudar sua classe social.
–Eu só quero mudar minha vida. – a orelha de Andrei formigava dolorosamente, mas era uma dor suportável. O medo anestesiava qualquer coisa.
–Para quê?
–Eu quero ser alguém melhor. – as lágrimas tentaram voltar, mas ele as segurou. – Eu sei que devemos ser invisíveis na sociedade, mas eu não quero ser invisível, morrer e ser esquecido. Ser lembrado pelos meus vasos seria algo nojento. – ele sentiu novamente uma pressão na garganta. – Eu quero ser lembrado pelos meus feitos.
–Os únicos que são lembrados pelos que fizeram são os guerreiros. – Sergej disse, rangendo os dentes de raiva.
–Sim. – foi tudo o que Andrei disse. E uma luz acendeu na mente de seu pai.
–Você não fez isso. – ele disse depois de uma longa pausa, olhando-o incrédulo. – Andrei, me diga que você não fez isso.
–Eu fiz. – o loiro suspirou para conter as lágrimas.
–Você não se sente envergonhado? – o pai o segurou pela gola da túnica. Andrei ainda não tinha olhado-o nos olhos.
–Pelo contrário, eu estou orgulhoso. – Andrei disse rapidamente e foi jogado com violência no banquinho que ele anteriormente estava sentado.
–Abaixe as calças. – Sergej ordenou friamente. O menino sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo.
Olhou para cima, para o pai, pedindo piedade com seus olhos. O homem, no entanto, continuou firme.
–Faça o que eu pedi, Andrei.
–Eu não...
–Faça! – ele gritou de um jeito assustador.
Andrei abriu seu cinto com as mãos trêmulas e abaixou as calças até a altura dos tornozelos, sentando-se no banco. O pai se aproximou dele, trazendo algo na mão. Era fino, tinha sido feito especialmente para machucá-lo.
–Sem gritar ou chorar, entendeu? Você vai receber suas punições como o homem que você é ou quer ser.
–Sim, pai. – era quase impossível para o rapaz conter as lágrimas agora. Ele afastou as mãos das coxas, deixando-as expostas.
Já no primeiro golpe, Andrei se contorceu inteiro de dor, travando o maxilar para não gritar e fechando os olhos com força. Sentiu uma mão voar contra sua nuca.
–Eu quero que você olhe. Você causou isso, não se lembra? – dizendo isso, o pai desceu novamente a vara fina nas coxas brancas do rapaz, que se contorceu outra vez e engoliu o ar, arregalando os olhos para mantê-los abertos.
Mais quinze golpes e aquilo estava acabado. Andrei tremia muito, ainda engolindo a seco para conter as lágrimas e os gritos.
–Limpe isso aí e volte para casa. – o pai lhe atirou friamente um pano sujo de barro, que atingiu o rosto do garoto antes de cair sobre suas coxas feridas.
Andrei agarrou o pano com força. Os cortes em suas pernas sangravam bastante e ardiam como se sal tivesse sido colocado neles. Limpá-los seria ainda mais doloroso. Assim que Sergej saiu, ele foi deixando aos pouco uns gemidos de dor escaparem. Não aguentou mais esperar e desabou a chorar, gemendo alto dessa vez. Ele deixava suas lágrimas caírem nos cortes e limpava cuidadosamente com o pano. Talvez as lágrimas ajudassem aquilo a sarar, porque era lágrimas de alívio da dor. Assim que o sangue parou de escorrer, ele puxou com cuidado sua calça marrom sobre as pernas, gemendo quando o tecido tocou nas feridas. Andar seria um problema. Pelo menos a olaria não era tão longe de casa.
De repente, parou de chorar, limpando as lágrimas de seu rosto. Uma nova sensação cresceu em seu peito: Ódio. Ódio do mais puro. Ele riu um pouco antes de se lembrar que estava com dor. Mas aquilo não importava mais. Pegou o banquinho no qual estava sentado e o usou para estilhaçar todos os vasos. Seus golpes talvez tinham mais fúria do que os de seu pai. Ele não deixou um vaso sequer escapar, quebrou todos, deixando a olaria numa bagunça.
–Não vai mudar sua classe social, não é mesmo Sergej?! – ele disse em voz alta, mas não a ponto de gritar. E então riu como um maníaco. – A partir de agora, você fazos vasos. Eu vou ser um arqueiro e morrer como alguém, vou ser lembrado por ter feito o sangue daqueles turcos jorrarem na minha terra, e se não conseguir... – ele fez uma pausa para encher o peito de ar – Se eu não sobreviver até que o sol nasça novamente, eu vou morrer feliz por ter sangrado como um herói na minha terra!
Andrei voltou para casa com a cabeça erguida, mesmo tendo sangue nas calças. Seu pai lhe deu um olhar de reprovação, o qual ele ignorou e foi para a cama, ignorando o formigamento doloroso em suas coxas.
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Na Terra Crua
AdventureEra o tempo dos deuses antigos e da conquista de territórios, da espiritualidade e da guerra. Uma pequena e anônima vila russa é ameaçada de ataque por parte do exército turco. Neste meio, a história de Andrei Arhipov é contada; um jovem artesão, de...