Felix sentiu que estava sendo sufocado.
Uma sensação aterradora de medo, em meio à uma escuridão profunda, caindo cada vez mais em um abismo que não tinha fim enquanto seu ar ia embora aos poucos.
Não sabia a quanto tempo estava ali, despencando pouco à pouco, muito menos quando havia chegado naquele local. Melhor dizendo... onde estava?
Conseguia ouvir com clareza o barulho irritante de algo apitando, e então... aos poucos, uma luz forte, quase insuportavel vinha debaixo.
-FELIX!
O Lee tentou à todo custo abrir os olhos, mas, não parecia uma missão fácil, seu corpo parecia não ser capaz de lhe obedecer e cada segundo que se passava, os sons naquele local se tornavam mais nítidos.
Tinham vozes... mais de uma.
-Não se mexa, eu vou chamar a enfermeira...!- Ouviu uma voz que parecia conhecida, mas, não conseguia de forma alguma reconhece-la.
Aos poucos, sua visão se tornou clara, quase ao mesmo tempo em que todas aquelas pessoas em jalecos brancos entraram no quarto, invadindo-o e o tocando enquanto falavam em um tom que poderia ser capaz de deixar Felix surdo. Fazia quanto tempo que não via tanta gente assim?
-Senhor Lee, consegue me compreender?- Uma moça de óculos com uma armação vermelha enorme questionou. Felix apenas concordou. -Quantos dedos tem aqui?
-D-Dois...- Respondeu com muito esforço, a voz saindo falha e dolorida.
Felix tentava processar o que acontecia enquanto todas aquelas pessoas o examinavam e lhe faziam perguntas demais ao mesmo tempo, algumas que ele conseguia entender, outras que pareciam até mesmo apenas sons fugindo de um disco arranhado, completamente incompreensiveis.
Até que algo veio a sua mente.
-E o outro garoto?- Questionou a mulher.
-Como?- A médica o encarou sem entender, preenchendo uma ficha com a bateria de exames que seriam necessárias ao Lee.
-TInha um garoto comigo... eu não lembro... mas, ele estava comigo...!- Disse em tom desesperado. Felix não conseguia se lembrar do homem com quem havia passado todos aqueles meses!
Conseguia sentir aquele sentimento, o sentimento de que amava aquela pessoa. Sentia como se ele fosse uma parte de sua alma... mas, não conseguia se lembrar de quem estava ali.
-Felix... sinto lhe informar, isso é impossível.- A médica disse, fazendo um gesto para que os outros saíssem do cômodo. -Você estava sozinho no carro quando o encontramos.
-Carro...? Não, nós passamos meses juntos...!- O Lee disse sério, sentindo lágrimas geladas descerem por seu rosto.
-No dia doze de outubro de dois mil e vinte, você sofreu um acidente muito grave, uma batida de carro contra um motorista embriagado... Conseguimos retira-lo do carro à tempo, você esteve em coma durante este tempo.- A médica explicou. -Hoje é dia vinte de fevereiro.
Felix apenas concordou, embora não conseguisse esconder sua negação em acreditar que aquilo era real. A médica avisou que logo permitiria a entrada de sua familia.
Mas, naquele momento, Felix só conseguia pensar que aquilo era impossível. Aquele amor... tudo o que ele havia vivido, não era real?
E todas as promessas que haviam feito? Como aquilo não poderia ser real? Eles prometeram que faria aquilo ser pra sempre, que se amariam infinitamente...!
Mas, agora, Felix chorava por sequer lembrar do rosto ou nome daquela pessoa que tinha sido seu primeiro amor.
Todas aquelas lembranças que vinham à sua mente nunca haviam existido?
E mesmo que tivesse sido, ele sequer pode se despedir...? Ele ao menos havia dito palavras de adeus à aquele mundo.
-Filho...!- A mulher de cabelos escuros entrou, aquela voz... era de sua mãe, e ele sequer havia conhecido. -Graças à deus...!
O corpo do Lee, ainda preso por fios à aqueles montes de maquinas, foi abraçado com força. Mas, apesar de toda a saudade que tinha certeza que sentia durante aquele universo criado enquanto estava inconsciente, naquele momento, não conseguiu sentir nada.
Não era aquele abraço que precisava.
[ . . . ]
Semana após semana, aquilo era extremamente cansativo. O mundo inteiro parecia estar cinza, ou talvez fossem só aquelas paredes brancas e sem graças que lhe davam aquela impressão.
Apesar de seus exames terem tido bons resultados, ainda era proíbido de perambular pelo hospital, pelo menos até que todas suas funções motoras tivessem voltado completamente.
Com meia dúzia de lápis de cor, e um pequeno bloco de folhas, continuou tentando lembrar como era o rosto daquele rapaz que não saia de seus sonhos. Em grande parte, conseguiu esboços muito bons, mas, não o suficiente para ter uma imagem clara.
Algumas vezes, desenhava apenas olhos, grandes, castanhos e expressivos... outras vezes, conseguia desenhar os olhos e a boca, poucas vezes o nariz, e de vez em quando, fazia apenas a silhueta, com aquele cabelo ondulado mais comprido que o normal.
Em alguns momentos, sentia o nome do garoto vindo na ponta de sua língua, outras vezes, geralmente em suas discussões internas sobre o que era real e o que não era, chamava-o apenas de "Cabeludo", apesar de achar que era um nome idiota.
A sensação de que amava aquele homem só aumentava.
-O que está desenhando, amor?
Felix virou depressa ao ouvir aquilo, mas, era sua mãe ali, e o frio na barriga que havia sentido passou no mesmo instante.
-Eu só...
-Você tem desenhado esse mesmo rosto desde que acordou.- Ela disse séria, podia ser apenas uma garçonete, mas, conhecia melhor que qualquer um seu filho. TInha algo de errado com Felix.
Algo que ele não havia contado ainda.
-A senhora não acreditaria se eu contasse.- Riu baixinho. -Mãe... tem certeza de que não tinha outra pessoa comigo quando me encontraram?
-Não, filho.- Suspirou. -Você estava sozinho no carro.
-Esse rosto é do meu primeiro amor.- Felix confessou. -Mas, eu não consigo lembrar como ele era... eu não lembro nada.- Felix sentiu os olhos lacrimejarem. -Só tenho memórias, mas, toda a vez que tento ver o rosto dele... é um grande borrão.
-Filho, nós podemos proc...
-Eu nem sei se ele existe, mãe...- Sussurrou, olhando para o desenho, dessa vez, eram apenas os olhos. -Eu... não sei o nome dele, não lembro do rosto, e sequer... sequer consigo pensar... eu não sei se ele é real.
A mulher abraçou ele, era a única coisa que podia fazer por seu menino, afinal, Felix era seu filho, ve-lo sofrer por algo que só existia em sua mente, e não poder dizer nada.
-Acha que eu enlouqueci...?- Questionou baixinho.
-De jeito nenhum, filho.- Ela sorriu minimamente, afagando os fios castanhos que já estavam se tornando compridos. Felix já sentia saudade de se ver ruivo, mas, ainda não podia aprontar nada.
-Mas, eu acho que ele só existe na minha imaginação.
-Então nós vamos dar um jeito de lembrar o máximo possível e encontrar ele, filho.
Se Felix não podia dizer suas últimas palavras de adeus ao homem que amou, pelo menos ia tentar se lembrar dele o máximo possível.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Surgit •Chanlix
FanfictionOnde Felix estava completamente sozinho, no sentido mais literalmente da palavra, todos no mundo inteiro aparentemente haviam sumido... Bom, pelo menos era o que ele pensava. [Repostada de acordo com as diretrizes da plataforma]