Prólogo

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   "Preciso de me esclarecer. Não sei em que mais pensar senão que penso demais!" - Pensamentos sombrios percorriam a cabeça de Paulo Teles. Acompanhe o leitor o quão demagógica e auto-destruidora pode ser a ideia de que se pensa demais. 

   Teles parecia convalescido e ansioso pelo dia seguinte, aliás hora seguinte, aliás segundo seguinte, aliás pelo que sentia no instante em que "pensava demais". Enquanto meditava e divagava ocorriam na sua mente duas importantes imagens. Uma primeira que falava, que lhe dizia que era um grande homem e que se tornara naquilo que para si idealizaram. De olhos escuros, cabelo preto e bastante curto, com uma estrutura corporal ligeiramente acima do que o recomendado, usando umas calças de cotim preto e uma camisa de linho branco, acompanhada claro do seu colete bem justo e de uns sapatos de couro bem preservados, a imagem não deixava dúvidas para quem a criava na sua mente - era indubitavelmente o seu pai. Não havia perigo de equivocação, aquele era o seu pai, um homem rígido de uma família tradicional, que rentabilizava o seu tempo com a pecuária e a agricultura, (o habitual para um pós 25 de abril e para uma família do interior daquela aldeiazinha de onde nascera), acrescento. Paulo reconhecia em si as qualidades que aquela imagem lhe incutia.  Resta então apresentar quem/o quê, nesta parte do pensamento ocupa o segundo lugar na mente deste rapaz visivelmente incomodado e afrontado com algo. Esta imagem é mais imprecisa, há algo mais atormentador na mesma, o discurso que a acompanha é indetetável a mim que escrevo neste momento. (Lamentação). Algo como uma confidência, um sussurro, um murmurar de uma voz mais suave e preocupada é o que me é permitido descrever, nesta hora, sobre o discurso que lhe percorre de um lado para o outro no "ouvido cerebral".  

   "Ouvido cerebral" será aquele ouvido que existe dentro do nosso crânio e que nos permite ouvir vozes quando ninguém ao nosso lado nos fala. Aquela voz que grita pelo meu nome, ou o nome do leitor que o faz abrir a porta porque sentiu que lá de fora alguém o chamara. É um ouvido mais atormentador e falacioso. Não lhe devemos confiar toda a nossa atenção; porém, nesta situação, parece difícil para Paulo ignorar cada um dos pormenores que lhe são mencionados por este tal ouvido. Sobre a imagem, confidencio que sem dúvida se trata de uma pessoa jovem e com um cabelo mais longo do que o de seu pai. Tudo o resto me suscita dúvida e receio. Ser-me-ia fácil levantar aqui suposições sobre quem seria aquela imagem se soubesse de que aldeia é, porém não me pretendo perder nas mesmas. 

   "Não me abandones agora!" - pensou alto com os seus olhos de lamentação. Sentia medo de algo, isso é evidente. Mas de quê? De quem? Uma tal crença sem nome, de um tal hábito sem nome. "O que tenho aqui nas minhas mãos, não é mais do que um erro, erro tal que não merecia na minha vida!" - continuava - "Quem nas suas mãos tem o seu próprio erro, não deveria mais fácil e eficazmente poder remediá-lo e corrigi-lo? Quando um hábito nos é mal empregue..." - reparei no aparecimento de uma lágrima naquele rosto, de olhos sem foco e de sofrimento. 

   Não há dúvidas que há toda uma perturbação nesta mente que se autoflagela, que se magoa e rompe. Será difícil cerzir cada pedaço que se desmembra daquele que é, um dos mais irremediáveis dilemas de Teles: o que fazer a si mesmo? 

   


   

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