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Nos dias que seguiram a sentença, a sensação de liberdade era estranha.
Era como se eu tivesse carregado uma corrente por tanto tempo que, quando ela caiu, meus braços ainda doíam.
A prisão dele era uma vitória — minha, dos meus filhos, da verdade. Mas os traumas não somem com uma decisão judicial. Eles apenas sabem esperar a hora certa pra se calar.
Ainda assim, havia uma luz nova entrando pela janela do nosso quarto. Uma calma diferente nos detalhes do dia. Um silêncio mais leve.
Na primeira noite pós-veredito, jantamos em paz.
Hanna e Kalleb dormiam, finalmente ao mesmo tempo, e eu e Wesley conseguimos comer na varanda, sob o céu estrelado da Arábia Saudita, com o calor ameno da noite envolvendo a gente.
— Você conseguiu. — ele disse, mexendo o garfo na salada, mas com o olhar focado em mim.
— Eu só… falei. — respondi. — Não fiz nada grandioso.
— Você foi lá, contou a verdade, enfrentou quem te feriu. Isso é o que mais gente deveria ter coragem de fazer. Você protegeu seus filhos antes mesmo deles entenderem o que é o mundo. Isso é ser gigante, Raquel.
Suspirei. Estava tentando aceitar essa imagem que ele via em mim. A de mulher forte. De mãe valente.
Mas por dentro eu ainda me sentia quebrada em alguns pedaços.
— Às vezes eu acordo assustada. Achando que ele vai aparecer. Que tudo foi uma encenação, que ele fugiu, que vai me achar de novo. — confessei, olhando pra frente. — Ainda vivo com medo.
Wesley se aproximou, tocou minha mão sobre a mesa.
— O medo não diminui sua força. Ele só mostra o quanto você lutou pra estar aqui.
Os dias voltaram a ter rotina.
Mamadas, trocas de fralda, risadinhas no meio da tarde, cólicas na madrugada.
Hanna era mais calma, quase sempre dormindo com os olhinhos semicerrados, como se estivesse de vigia. Kalleb era mais agitado, risonho, esperto. Se virava no berço com apenas dois meses de vida, como se tivesse pressa de viver.
Eu os observava e pensava: como algo tão puro pôde nascer em meio a tanto caos?
Eles eram meu renascimento.
Comecei a escrever de novo. Pequenos trechos. Diários. Rascunhos.
“Hoje, Hanna balbuciou ‘ahh’ com a boca cheia de leite. Kalleb riu alto quando espirrei sem querer. Parece pouco, mas pra mim foi o mundo.”
Escrevia sobre isso. Sobre o novo.
E escrevia também sobre o que passou. Porque precisava que tudo aquilo saísse de mim. Cada lembrança, cada medo, cada cheiro daquelas paredes falsas que o Gabriel construiu.
Escrever era como arrancar farpas da pele, uma por uma.
Dois meses depois da audiência, recebi uma ligação da psicóloga que me acompanhou à distância desde o nascimento dos gêmeos. Ela estava no Brasil, mas fizemos muitas sessões por videochamada.
— Raquel, como estão os bebês? — ela perguntou com voz doce.
— Fortes. Lindos. Barulhentos. — ri. — E eu… cansada, mas viva.
— E como está com tudo o que viveu?
Pensei antes de responder.
— Estou tentando entender que nem todo trauma desaparece. Mas ele deixa espaço. Dá pra viver com ele em segundo plano. Ele não manda mais em mim.
— Isso é tudo, Raquel. Isso é vitória.
Sorri. Um sorriso sincero.
Wesley começou a jogar mais regularmente pelo Al-Nassr, e os jogos eram sempre eventos grandes. A torcida era barulhenta, fervorosa. No início, eu não me sentia segura pra ir aos estádios, mesmo com seguranças, mesmo com ele insistindo.
— Amor, você pode ficar no camarote, com as crianças, é fechado, protegido.
Mas eu me lembrava demais daquele dia. O dia em que fui tirada.
— Ainda não. — respondi por algumas semanas.
Mas, um dia, Hanna ficou olhando pra TV, vendo o pai correr em campo. Kalleb soltou um gritinho quando ele apareceu no replay.
Eu entendi.
Eles precisavam ver o mundo. E eu precisava retomar o meu lugar nele.
Vesti uma roupa leve, coloquei Hanna no canguru e Kalleb no carrinho. Fui com a babá e dois seguranças. Cheguei ao camarote antes do jogo começar.
Quando Wesley entrou no campo e olhou pra arquibancada, nos viu.
Ele levou a mão ao peito.
E eu soube ali que ele não estava jogando só por carreira.
Estava jogando por nós.
Depois do jogo, ele subiu correndo.
— Você veio! — Ele disse, emocionado, suado, e com os olhos brilhando.
— Viemos. — falei, apontando para as crianças.
— E como se sentiu?
— Pela primeira vez… livre.
Ele me beijou, e naquele instante, não havia mais lembrança ruim. Só presente. Só agora.
Mas a paz total ainda não existia.
Porque recebi, certo dia, um e-mail estranho.
Assunto: Carta para Raquel — Gabriel Barbosa
Meu coração congelou.
Não abri de imediato.
Esperei Wesley chegar. Mostrei pra ele. Ele leu antes, em silêncio.
Depois passou o celular pra mim.
|> “Raquel, | |Sei que talvez você nunca queira me ouvir de |novo. Mas queria dizer que estou mudando. |Estou tentando. | |Sonho com o dia em que você possa me perdoar. | |Não quero que me ame. Só que me veja como |humano. | |Sinto muito por tudo. | |— Gabriel”
Fechei o celular.
— Ele ainda acha que tem alguma importância na minha vida. — falei, fria.
Wesley não respondeu. Apenas me abraçou.
— Ele não tem mais nenhum lugar aqui. Só lembrança. E memória… você reescreve com o tempo.
Naquela noite, sentei com um caderno novo. Escrevi:
|> “Hoje eu recebi uma carta do homem que me |feriu. Mas eu não chorei. Nem tremi. Eu li… e |continuei vivendo. | |Acho que isso é cura.”
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