EXTRA

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O sol escorria tímido pelas frestas das cortinas pesadas, pintando faixas douradas sobre os lençóis amassados. O quarto ainda cheirava a lavanda e a café de ontem. O relógio na parede marcava quase dez horas da manhã, um luxo para aquela casa sempre desperta antes das sete.

Mas naquele dia, o tempo parecia não ter pressa. Até que uma risada aguda cortou o silêncio, logo seguida de um baque suave no colchão.

- Mamãe! É Natal!

Jack, com os cabelos castanhos bagunçados e pijama do Homem-Aranha, pulava sobre os dois corpos encolhidos na cama. Seu sorriso era maior do que o rosto, os olhos brilhavam como se carregassem todas as luzes da árvore de natal da sala.

Johnny gemeu algo inaudível, virando-se com o travesseiro sobre a cabeça.

Amélia, por sua vez, abriu um olho, rindo baixinho ao ver o filho tão empolgado.

- Você pulou em mim ou foi o papai Noel? - ela provocou, prendendo Jack num abraço carinhoso.

- Foi o Jack-noel! - ele respondeu, se debatendo entre gargalhadas. - Já pode abrir os presentes?

Johnny ergueu-se devagar, o cabelo emaranhado, barba por fazer, olhos ainda sonolentos mas brilhando de ternura. Ele observou a cena com aquele sorriso torto que Amélia conhecia tão bem, aquele sorriso que sempre vinha antes de algo bobo e doce.

- E se a gente dissesse que o Papai Noel dormiu aqui e deixou rastro de farelo de biscoito no tapete? - disse ele, já coçando a barba.

- Aaaah! Eu sabia! - Jack saiu da cama correndo feito um elfo com pressa.

Os pés descalços batiam no chão de madeira com entusiasmo.

Amélia se esticou, deitou a cabeça no ombro de Johnny, ainda rindo.

- Ele tem a sua imaginação - murmurou, traçando um círculo com o dedo sobre o peito dele.

- E o seu sorriso. - Johnny beijou a testa dela.

Ambos ficaram ali por um instante, apenas ouvindo os passos apressados e a voz de Jack tentando abrir o embrulho com mais fita.

O cheiro de chocolate quente já começava a invadir o ar, vindo da cozinha graças ao timer do fogão automático que Amélia tinha programado na véspera. Eles haviam preparado tudo juntos: a árvore, os presentes escondidos, o tapete de renas, os biscoitos caseiros (metade queimados, rindo disso), e até uma carta escrita por Johnny com a letra tremida imitando a do bom velhinho.

Na noite anterior, risadas e vinhos doces, haviam combinado que Júlia e Alex viriam para o almoço. Amélia lembrava das anotações que fez no bloquinho da geladeira:

- Alex adora torta de maçã com canela, não esquecer!

- Júlia virou vegetariana, preparar lasanha de abobrinha.

- Não deixar Johnny fazer o peru sozinho (lembra da última vez!).

- Ensinar Jack a dizer Feliz Natal em francês para impressionar Júlia.

A lembrança fez Amélia sorrir ainda mais, enquanto Johnny já começava a vestir o roupão com pressa, dizendo:

- Se ele abrir tudo antes da gente chegar lá, vai colocar nome de todo mundo nos presentes. Aposto que até o do gato vai ser dele.

- Isso iria ser maluco.

- Acho que isso torna tudo mais divertido, não? - ele piscou.

Amélia levantou com aquele suspiro feliz que só quem dormiu abraçada e acordou com risadas conhece.

Pela janela, os flocos de neve começavam a cair devagar, pintando de branco a varanda e os pinheiros do quintal.

Era Natal.

Johnny desceu as escadas com passos preguiçosos e pés arrastando o chinelo velho que Amélia vivia ameaçando jogar fora. Jack estava ajoelhado diante da árvore de Natal, tentando decifrar os nomes nas etiquetas dos presentes com a língua entre os dentes e as mãos impacientes.

- Esse é... pra mamãe... esse é pra mim... esse é pro Alex... e esse também é pra mim, porque tem um J. Certo? - ele virou-se orgulhoso.

Johnny cruzou os braços.

- Jack, esse "J" é de Júlia.

- Ahn? - O menino olhou desconfiado. - Mas a Júlia é adulta.

Amélia apareceu logo depois, vestindo um moletom cinza e o cabelo preso num coque desalinhado. Ela carregava duas canecas de chocolate quente, e entregou uma para Johnny antes de beijar a bochecha do filho.

- Nem todos os presentes têm brinquedo dentro, meu amor.

- Ou um pacote de meias... Com carvão. - Johnny sussurrou no ouvido dela, fazendo-a rir baixinho.

A mesa já estava posta, ou quase. A toalha branca com flocos vermelhos tinha uma mancha roxa de suco do ano anterior, lembrança imortal de quando Jack decidiu brindar com suco de uva e escorregou.

Johnny e Amélia trabalharam juntos na cozinha, com ele tentando se manter longe das tarefas mais sérias. Cortava frutas enquanto inventava músicas natalinas com rimas ruins. Amélia ria, mas o ameaçava com a colher de pau sempre que ele chegava perto do forno.

- Você quer mesmo arriscar outro peru queimado?

- Talvez eu esteja tentando criar uma tradição.

- Tradições não precisam envolver fumaça e sirenes de incêndio, amor.

Quando o relógio marcou meio-dia e quarenta, a campainha tocou. Jack correu gritando:

-Chegaram!

E escancarou a porta antes mesmo de Amélia alcançar a escada.

Júlia estava linda num casaco vinho, com o cabelo preso num coque apertado. Alex usava um suéter ridículo com luzes que piscavam presente de Jack no ano anterior.

- Você ainda usa isso?! - Amélia riu, abraçando os dois.

- É um pacto. Se eu usar, ele me dá mais presentes. - Alex apontou para Jack, que já puxava ele pela mão para mostrar a árvore.

- E olha só, temos meias novas pro gato! - Johnny disse, sacando um pacotinho minúsculo do fundo da pilha.

- Vocês criaram um gato só pra encher o saco do menino? - Júlia olhou, entre o riso.

- Não criamos. Ele apareceu a muito tempo. Foi o espírito natalino. - Johnny deu de ombros, dramático.

O almoço foi servido entre risos, conversas sobre o ano que passou e a promessa (mais uma vez) de que no próximo Natal fariam tudo mais cedo. Júlia contou histórias de sua nova viagem de México e Jack a interrompia para perguntar como se dizia "boneco de neve" em francês.

- Bonhomme de neige. - ela respondeu sorrindo.

- Isso! Eu sou um bonhomme de Jack! - ele disse, e todos caíram na gargalhada.

Após a comida, eles se acomodaram na sala com cobertores sobre as pernas. O fogo na lareira estalava baixo, o cheiro de canela e pinho era envolvente e Johnny dedilhava um violão antigo enquanto cantava suavemente uma melodia inventada. Amélia o observava com um brilho nos olhos e de muitos mais por vir.

Jack aos poucos, cochilava no colo de Alex, depois de finalmente aceitar que abrir todos os presentes de uma vez era cansativo demais.

Júlia olhou a cena e sorriu.

- Somos papais!

Amélia se desencostou de Johnny e respondeu:

- MEU DEUS JÚLIA!

Johnny a beijou no topo da cabeça e sussurrou:

-É você vai ser uma mãe incrível e Amélia a titia mais babona.

Amélia revirou os olhos, mas sorriu.

A neve continuava caindo lá fora, silenciosa e serena.

Dentro daquela casa, não havia pressa. Havia apenas amor, um riso contido, e o conforto de saber que, apesar do mundo girar rápido demais, aquele pequeno universo deles estava exatamente no lugar certo.

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⿻𝐋𝐎𝐕𝐄 𝐒𝐎 𝐏𝐔𝐑𝐄 ʲᵒʰⁿⁿʸ ᵈᵉᵖᵖ  Onde histórias criam vida. Descubra agora