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"Querido pai,

Mais um dia que passei sem ti e acredita que não tem sido assim tão fácil como tu me prometeste que seria. Claro que não... Como poderia ser? Afinal perdi a última pessoa que eu considerava ser 'um modelo a seguir', o meu herói. A minha vida tem sido realmente difícil sem ti mas agradeço (não sei a quem, talvez ao destino) por me ter dado uma vida ocupada porque se não fosse essa mesma vida eu talvez seria 'uma aí nos cantos' a lamentar pela perda da única pessoa que realmente cuidava de mim e da Charllote. A nossa vizinha Clara tem nos ajudado. Maior parte das vezes ela faz-nos o jantar e ajuda-me a limpar a casa. Mas ela já não tem idade para andar a vergar a coluna por uma rapariga de 19 anos. Tive que aprender a desenrascar-me, fazer-me à vida e foi o que fiz. E, francamente, até me saí bem. Agora sou uma irmã mais velha de uma menina de 5 anos, cujo pai morreu e a mãe abandonou, a cuidar de uma casa com todos os esforços necessários. Faço os possíveis e impossíveis para dar a Charllote tudo o que ela merece. Tenho a sorte da nossa amada vizinha insistir em nos ajudar. Devo confessar que aquela mulher é um osso duro de roer. Eu sei que ela faz por pena e só a ideia não me agrada mas em tempos difíceis uma mão auxiliar não incomoda, mesmo por pena. Por isso, nas horas em que me ausento de casa para sustentar a pouca família que me resta, que são quase todas as horas do meu dia, Clara fica com a Charllote. Nos primeiros meses eu sentia-me incomodada com a situação, pois mesmo que eu tentasse retribuir-lhe com algum dinheiro, ela recusava sempre. Mas à medida que o tempo foi passando e a vida começou a ficar complicada, deixar a Charllote na porta do lado tornou-se 'parte da rotina'. Ou simplesmente arranjei a desculpa de que uma mulher, divorciada, de 66 anos com o filho no estrangeiro precisava de companhia e nada melhor do que uma peste de 5 anos. Mas daqui para a frente será diferente. A Charllote vai começar a frequentar a escola e as despesas serão maiores. Apesar do trabalho ser muito, o rendimento não é. Consegui arranjar um emprego no pequeno café que costumavas nos levar aos "Domingos excepcionalmente excepcionais para a família". E depois há aqueles trabalhos extras. Estes vão variando, nunca são fixos. Chego até a ser fotógrafa em alguns eventos festivos. Sou como um contacto de emergência. Mas isso não importa pois só o facto de poder capturar tais momentos faz-me feliz. Fotografar é, para mim, guardar um momento da vida num pedaço de papel e tinta mas que aos nossos olhos tem um significado enorme. É a capacidade de captar os melhores como os piores momentos das nossas vidas. É como encaixilhar os pedaços que representam a razão de estar aqui neste mundo. E eu sinto-me orgulhosa de ter a oportunidade de viver esses momentos com outras pessoas. Como se esses momentos me pertencessem também. De certa forma, consigo sentir a felicidade deles quando capturo esses tais momentos. É claro que essa felicidade nunca dura muito, visto que, o momento, para começar, não é meu. Já passou mais de um ano desde que partiste e posso dizer que consegui encontrar o meu caminho. Ultrapassei? Não sei se podemos dizer isso. Afinal de conta acho que nunca vou ultrapassar o facto de ter perdido o meu pai. Perder a mãe não foi difícil. Afinal foi anos atrás e se ela não gostava da família que construiu, porquê guardar remorsos por quem não os merece? Aprendi a lidar com isso. Mas contigo, foi tudo muito diferente. Eu não aprendi a lidar com isso, aprendi a sobreviver com isso. Eu sei que algo há-de vir e que tenho que levar as coisas a seu tempo. 'Esperar para ver'. Acho que é isso a que as pessoas chamam de destino. Mas como sempre me disseste 'Ver acontecer é só uma desculpa à qual as pessoas chamam de destino. E são muitos os que Vêem acontecer e poucos os que Fazem acontecer' por isso, meu pai, eu aqui te prometo que não vou ver o meu destino acontecer mas vou fazê-lo acontecer. Por ti. Pela Charllote.

Beijos com muito amor,
X Mary Anna"

Fechei o meu diário e coloquei-o em cima da minha mesa de cabeceira branca de madeira baça no lado direito da minha cama de casal também ela branca de madeira baça coberta com lençóis brancos de seda e uma coberta estampada com vários desenhos abstratos num tom escuro com as múltiplas almofadas a condizer. Levantei-me e dirigi-me para a casa de banho localizada no interior do meu quarto com as paredes cobertas de pequenos mosaicos azuis e um jogo de toalhas dos mesmos padrões dos mosaicos.

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