II

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Ao sair para o plantão naquela noite, Greg estava bastante aborrecido. Era médico do hospital municipal fazia alguns anos e trabalhava na emergência. Reconhecia que estava ficando cansado de tanta violência, mas sentia que não podia deixar aquele posto. Nascera para ajudar as pessoas e gostava do que fazia.

Já no hospital, lembrou-se da pequena discussão que teve em casa na manhã anterior, logo que chegou do hospital. Denise, sua mulher, estava sentada na cadeira de balanço, tricotando uma roupinha para o filho recém-nascido, que dormia no carrinho a seu lado. Greg beijou-a com suavidade, e ela exibiu o casaquinho, falando enternecida:

- Não está uma beleza? Já estou quase terminando. É para o batizado de Theo.

- Está lindo.

Ela sorriu embevecida e alisou o casaquinho. Retomou a agulha e continuou a tricotar, enquanto Greg se servia de uma dose de uísque.

- Já estou cansado de tanto sofrimento. -comentou ele. - Todos os dias chegam adolescentes e crianças estupradas, violentadas... E os pais não fazem nada.

Denise soltou o tricô por uns instantes e retrucou em dúvida:

- Não sei se deveria culpá-los. Talvez a dor de reviver a humilhação seja maior do que o desejo de ver o criminoso na cadeia. Você não deixa de ter razão, e, se o motivo fosse só esse, eu conseguiria compreender. Mas muitos pais não denunciam por medo da vergonha. E não é nem dos filhos. É deles mesmos.

- Até que ponto denunciar resolve alguma coisa? O mal já está feito, não pode ser reparado. Vingar-se do criminoso não restitui a honra, a vergonha, a dor e tudo o mais.

- Quem falou em vingança? Também sou contra querer se vingar. Mas a repressão penal é necessária. Quem comete um crime tem de arcar com as conseqüências daquilo que faz. Talvez, passando uns tempos na cadeia, o sujeito consiga refletir sobre o que fez...

- Duvido muito - disse uma voz irônica, vinda do outro lado da sala.

- Niall! - exclamou Denise, surpresa com a chegada intempestiva do irmão.

- Não devia estar na faculdade? - perguntou Greg, de má vontade.

- Saí mais cedo. Não estava com saco de assistir àquela aula chata.

- Não estava com saco? - repetiu o médico, abismado. - O que pensa da vida, Niall? Pago faculdade para você sem cobrar nada em troca, mas o mínimo que espero é que assista às aulas.

- Vai jogar em minha cara agora, vai? Só porque não tenho dinheiro, não precisa me humilhar.

- Não o estou humilhando nem jogando nada em sua cara. Mas nosso trato foi esse: eu o sustento até você terminar a faculdade, mas você tem de ir às aulas.

- É sempre assim, não é, Greg? Só porque é o dono do dinheiro, pensa que pode mandar em mim.

- Você está distorcendo as coisas. Não mando em você e não sou o dono do dinheiro. O que ganho é com o suor de meu trabalho.

- Será que vocês dois podiam deixar de discutir pelo menos uma vez? - queixou-se Denise, debruçando-se sobre o carrinho. - Vão acabar acordando o bebê.

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