CAPÍTULO 6 - "Tu és namorado da minha mana?"

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(Javi)
A noite tinha sido fantástica. A Ana era uma ótima conversadora, arranjando temas como, imagine-se!, suicídio. Mais uma vez me apercebi que ela tinha muita mais maturidade do que aqueles 17 anos lhe poderiam dar.
Maturidade e independência, segundo ela, eu chamava-lhe mais teimosia, para a picar. Pela primeira vez na minha vida, uma mulher tinha-me feito dividir a conta do jantar, coisa que nunca pensei ser possível. Afinal é um ato de cavalheirismo. Ainda trocamos algumas palavras, mas quando me tratou por Javier, percebi que ela não ia desistir da ideia e eu cedi, vendo um sorriso vitorioso no seu rosto. Em parte, aquele sorriso compensava a minha "derrota".
Já fora do bar e após alguns metros caminhados, falei-lhe da chave. Quando lhe disse que não queria falar muito sobre o significado dela, ela surpreendeu-me pensando que eu estava metido em coisas ilegais. Confesso que tive vontade de me rir. Simplesmente aquela mulher era única! Acabei por lhe explicar abstratamente o assunto, sem nunca referir pormenores do passado que aquela chave trancava.
Quando a convidei a levá-la a casa, reparei que de novo um desconforto surgiu nela, tal como tinha acontecido esta tarde quando me ofereci a levá-la do hotel a casa. Percebi que a incomodava estar sozinha comigo num sítio onde se sentisse mais frágil. Não podia julgá-la. Afinal conhecíamo-nos há pouco mais de 24 horas e era normal que ela não sentisse muita confiança em mim. Mas tentei deixar claro que não estava contra ela, mas sempre a favor:
- Não precisas de ter medo de mim - vi-a ficar envergonhada com a minha conclusão - Percebo que nos conheçamos há muito pouco tempo mas acredita que podes confiar em mim - apercebi-me que ela fitava-me nos olhos, julgando a minha sinceridade. - Eu nunca te farei mal e acredita que enquanto estiveres ao meu lado também ninguém te magoará. - vi que um sorriso ainda que tímido surgiu no seu rosto.
- Desculpa esta...hesitação. Mas eu costumo explorar muito bem os caminhos antes de um pisar.
- Eu percebo. E percebo que, conhecendo-nos nós há apenas pouco mais que um dia, não te sintas confortável na minha presença.
- Não é nada disso - negou de imediato - Eu gosto de estar contigo - não sei porquê mas o meu coração tremeu a ouvir estas palavras - Só que sou muito desconfiada. Mas se dizes que eu posso confiar em ti, eu acredito - abriu um sorriso, que não conseguia evitar espelhar.
- Então vamos?
- Claro.
Começamos a caminhar.
- Desculpa se o que te vou dizer te vai envergonhar - ela olhou uma fração de segundo para mim mas continuamos a caminhar - e desculpa a vulgaridade, eu tentei não dizê-lo, mas tu estás...linda. - Vi as suas faces ruborizarem - Desculpa - tornei a pedir.
- Não é vulgaridade - disse-me - Dizes tudo com uma sinceridade e pureza impressionantes - percebi o que ela estava a dizer e não consegui deixar de sorrir. Sim, era muito para além da beleza estonteante que os olhos de qualquer um conseguiriam ver. Ela era bonita no seu interior.
- Tenho de admitir que o teu cabelo me fascina - ela olhou-me com uma expressão divertida. Duvido que fosse usual ela ouvir aquilo - Estou a falar a sério. Dá algo de especial ao teu rosto. Parece...a tua personalidade.
- Como assim?
- O encaracolado faz-me associar todas as tuas facetas distintas. Tens uma personalidade muito moldada e genuína.
- Obrigada - deixou soltar.
Acabávamos de chegar ao meu carro.
- É este - disse-lhe.
Vi o espanto no seu rosto.
- U-a-u - deixou escapar - Tens um carro..., não é que eu perceba alguma coisa de carros, mas é impressionante.
Destranquei o carro e abri-lhe a porta. Vi que não estava à espera deste gesto mas acabou por entrar. Fechei a porta e contornei o carro, entrando também. Apercebi-me que ela contemplava o interior mas não comentei nada.
- Introduzes a tua morada no GPS? - perguntei-lhe.
- Claro - disponibilizou-se - Javi - chamou-me.
Olhei-a.
- Sim?
- Por favor, vai devagar. - pediu-me.
- Claro. Não te preocupes. Chegamos inteirinhos a casa - sorri-lhe.
Assim que ela retribuiu o sorriso aliviada, arranquei, seguindo as coordenadas do GPS. Íamos falando de coisas banais, como o tempo, a cidade, a crise... Estávamos já a meio do (curto) caminho quando o meu telemóvel, em modo mãos livres, tocou. Fiquei nervoso com a música que tocava. Vi que era o meu irmão.
- Importas-te que atenda? - perguntei-lhe.
- Claro que não.
Pressionei o botão verde e saudei-o:
- Buenas noches.
- Eu digo-te as buenas noches - refilou. Vislumbrei um riso da Ana com a expressão do meu irmão - Onde estás? Esperei-te para jantar!
- Fui jantar fora - resumi, sorrindo à Ana.
- Gracias pelo convite! Foste sozinho?
- Não, não fui.
- Então foste com quem? Foste com a A...
- Vê lá o que vais dizer - interrompi-o, percebendo que a Ana poderia sentir-se envergonhada por se aperceber que tinha falado dela ao meu irmão - Não estou sozinho. Dá as buenas noches à Ana.
- A Ana está aí? - senti-o atrapalhado - Boa noite! - saudou-a.
A Ana riu-se daquele desconforto do meu irmão.
- Buenas noches!
- Podes falar em espanhol, porque a Ana percebe - avisei-o.
- Ai é?
- Sim, é. Mas as chamadas de telemóvel são para coisas rápidas não para conversas de pessoas cuscas como tu. Portanto peço as minhas mais sinceras desculpas por não ter avisado Vossa Excelência com antecedência da minha ausência e comprometo-me a despender algum do meu estimado tempo após chegar ao nosso amado lar para uma troca de palavras amistosas com vossa Majestade.
- Sim, maninho, também te adoro!
- Adeus!
Ele desligou e a Ana soltou um grande riso, que percebi que tinha tentado conter até agora.
- Vocês parecem dois putos pequenos! - comentou.
- Sim, somos eternas crianças. - admiti.
- A música que tinhas como toque...Como se chama? - perguntou-me.
- Give Me Love - respondi-lhe - Gostas dela?
- Apenas a ouvi ontem, mas é linda.
- Põe-na a tocar - lancei um rápido olhar ao telemóvel. Ela sorriu-me e pegou nele. Após alguns segundos, os primeiros acordes da guitarra fizeram-se ouvir, aos quais se juntaram os do violino. Percebi que a Ana ouvia atentamente a letra da música e apenas fui capaz de falar quando ela acabou:
- É bastante bonita. - comentei.
- Sim. A letra é...especial. - disse-me.
- Especial? - o que queria ela dizer?
- Sim, ele ama-a. Mas acho que não sabe se é o melhor para ela.
- Continua a explicar a ideia. - pedi - Estou a gostar de ouvir...
Ela sorriu-me. Já estávamos no nosso destino, por isso estacionei e fiquei a ouvi-la.
- Ele diz "Dá-me amor como ela" - sorriu-me - Como se...houvesse um passado entre eles e agora o tempo os tivesse mudado. Mas no fim continuam a ser os mesmos e ele apenas quer "o sabor que os lábios dela permitem". E ela sabe que "ele vai lutar pelo seu canto e talvez esta noite ele lhe ligue".
- Gostei da tua interpretação - sorri-lhe - Mas disseste que ele não sabia se era o melhor para ela...
- Porque ele diz que talvez fosse melhor deixá-la ir.
- Faço dele minhas palavras.
- Ah?
- Talvez seja melhor eu deixar-te ir - olhei a porta de casa dela.
- Sim, tens razão - abriu um sorriso tímido. Eu saí do carro e contornei-o, abrindo-lhe a porta.
- Não era preciso, Javi - envergonhou-se - Não estou habituada a estas coisas.
- Então vai-te habituando - sorri-lhe.
- Obrigada pela noite. És uma excelente companhia.
- Ainda bem que gostaste.
- Amanhã continuas com os exames, não é verdade?
- Sim. Não é algo de que goste muito mas tem de ser...
- Sendo assim não te roubo mais tempo. Ainda tens o teu irmão à tua espera.
- Pois... - o meu irmão...já me tinha esquecido! - Depois combinamos alguma coisa? - perguntei.
- Claro! Tens o meu número. Quando tiveres um tempinho na tua preenchida agenda, podemos combinar alguma coisa.
Sorri-lhe.
- Bem, sendo assim, adeus - disse-me.
- Adeus.
Olhámo-nos hesitantes. O que era suposto fazermos? Tomei a iniciativa e baixei-me até ela. Senti-me ficar nervoso, o que não era nada usual em mim, ou melhor não costumava ser...até encontrar a Ana. Aproximei a minha boca da sua face e dei-lhe um leve beijo. O meu coração parou por segundos para em seguida acelerar desmesuradamente.
- Boa noite - disse-lhe.
- Boa...boa noite.
Ela virou-me costas e eu fiquei a vê-la entrar em casa.
- Ana - chamei-a. Ela tinha já a porta aberta mas olhou para trás - mantem-te longe da ponte, por favor.
Ela abriu um sor(riso) e entrou.

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