Pegando fogo

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POV. Filósofo

Saio do provador sentindo a calça apertar os lugares mais improváveis do meu corpo e espero Shai, enquanto observo os outros casais dançando.

- Vamos acabar logo com isso, Theodore – olho para trás e a vejo.

Espetacular não seria a palavra certa para definir como ela estava. Seria muito pouco, injusto até. Shai usava um vestido vermelho e justo nos lugares certos. Eu não duvidaria se dissessem que aquele vestido foi pensado especialmente para ela. Ele exibia todas as curvas que ela não se interessava tanto em mostrar, curvas que eu nem sabia que existiam. Desde o decote extremamente sexy a uma de suas pernas a mostra. Eu tentei desviar o olhar, mas era impossível ficar indiferente à mulher espetacular diante de mim.

Ela tenta sem nenhum sucesso arrumar o vestido para ser mais discreta, e quando põe a mão em seu cabelo para tirar a rosa atrás da orelha, eu a impeço.

- Você não vai fazer isso. Não pode.

- Por quê?

- Por que...

- Vocês estão incríveis! - Lorenzo me interrompe – Rápido, rápido. Vamos começar – os outros casais continuam indiferentes e concentrados em suas próprias danças para reparem em mim e Shailene indo para o centro do salão.

Carmen se aproxima de Lorenzo e diz:

- Esse é o dia do tango. Por hoje, nós só precisamos que vocês nos observem e tentem reproduzir ao máximo o que viram. Quando vocês vestem essas roupas e pisam nesse salão, vocês precisam deixar todos os problemas lá fora. Nós não estamos interessados se vocês são melhores amigos ou se não suportam um ao outro. Se for amor ou raiva, tentem demonstrar isso em movimentos. Aqui vocês precisam descarregar todos os sentimentos através da dança.

Os dois começam os primeiros passos. Dramáticos, impetuosos, lentos, difíceis e sensuais. Como se dançar não fosse o bastante, como se precisassem atuar também. Eu nunca me interessei por esse tipo de dança, mas agora eu vejo que estou revendo muitos dos meus conceitos desde que vim parar nesse país. Eu e Shai somente observamos os dois por cerca de dez minutos. Ela não diz uma palavra, fica com a mesma expressão séria, quando como está ouvindo uma instrução importante do diretor. Quando os dois terminam, apontam para nós.

Só não estou entendendo

Por que

Eu estou

Nervoso.

E para o meu azar ela percebe

- Qual é o seu problema, Theodore? Está com dor de barriga?

A música começa baixa, e com o passar dos segundos vai se tornando mais urgente. Repito os gestos de Lorenzo e me ponho atrás de Shai, que o ouvir a musica, fecha os olhos e respira profundamente. Em um movimento lento, deslizo a minha mão pelo seu braço macio, enquanto encosto o rosto em seu pescoço. Ela não usa perfume, mas a sua pele tem um cheiro extremamente agradável. O que ela estava fazendo ontem? Será que estava dançando com alguém? Não resisto a curiosidade e pergunto em seu ouvido, baixo o bastante para que ninguém possa ouvir.

- Onde você estava na noite passada? –desço as mãos pela sua cintura e ela se afasta de mim, dançando sozinha, me aproximo novamente dela e continuamos os nossos passos, girando pelo salão.

- Acho que isso não é da sua conta, Theo.

Puxo-a pelo braço e percorro a pele nua da sua coxa e em movimento inesperado, envolvo a sua perna em meu quadril. Shai respira com dificuldade e me olha desafiadoramente, com a testa colada à minha. Lentamente,  passa seu polegar em meu lábio e ao fazer isso, ela me faz lembrar daquele dia.

O dia que eu a beijei de forma firme. E como ela não se intimidou nenhum pouco com isso. Os seus braços me envolvendo e o jeito que ela retribuiu o beijo, tão segura de si que me fez me aprofundar mais e querer descobrir a fundo como era beijá-la. E tão cedo quando paramos, ela fez isso: passou o seu polegar em meus lábios só para tornar tudo mais torturante e maravilhoso. Claro que aquilo não estava no script. Claro que eu não admitiria para ninguém que aquela foi a minha cena preferida do filme.

- Acho que é da minha conta sim, afinal nós estamos juntos nessa – digo. Ela aumenta o aperto de sua perna em meu quadril e sorri provocativa. Esses lábios malditamente vermelhos...

- Você deveria se preocupar com a sua própria vida – ela sussurra, mas eu me perco no meio da frase, distraído demais olhando os seus lábios. Coloco o braço direito na parte inferior das costas dela.

Mantenha-se firme, você não precisa mostrar para ela que está distraído.

Concentro-me na música provocante que ecoa por toda a sala e faço uma leve pressão sobre a palma de sua mão, guiando-a pelo salão. Shai desprende-se de mim, dançando graciosamente. Observo as suas pernas se moverem com leveza e sensualidade.

Ela para abruptamente, deslizando suas mãos pela própria cintura e estendendo-as para mim, me chamando. Acaricio o seu rosto, e ela passa a uma de suas pernas entre as minhas.

- Então você não se importaria se eu saísse no meio da noite? – continuo sussurrando em seu ouvido.

- De forma alguma – ela gira e passa por trás de mim, envolvendo os braços em meu corpo e roçando sua perna na minha. Não resisto ao seu movimento e seguro a sua perna, mantendo-a fixa no meu corpo. Viro-me novamente para ela, e levanto-a no ar. Ao trazê-la novamente ao chão, encosto toda a extensão do seu corpo ao meu, já suado e ofegante. Até nossos rostos ficarem próximos demais. Até sentir a respiração dela próxima aos meus lábios.

E a música acaba.

Infelizmente.

POV. Shai

Nós ficamos parados com os nossos rostos próximos um do outro.

- Até que você não é uma péssima dançarina.

- Até que você não é tão desagradável quando fica calado.

Ele me olha fixamente por tempo demais, e lentamente surge um pequeno sorriso no canto de sua boca. Sorrio também.

Apesar dos nossos desentendimentos, nós sabemos que somos bons. E apesar dos problemas, nós sabemos que funcionamos bem juntos.

Estranho seria se nós fossemos normais.

Férias com o filósofoOnde histórias criam vida. Descubra agora