Manual da boa vizinhança

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Pov. Filósofo

Olho o relógio, agora estamos 30 minutos atrasados e adivinha de quem é a culpa? O relógio solar da Shailene deve estar atrasado, porque até agora ela não apareceu pra essa sessão de fotos. Talvez ela esteja fugindo do país agora, já que não suporta essas coisas de revistas de celebridades. Então enquanto espero algum sinal de vida dela, tento me distrair com a paisagem do lugar.

Estamos em um jardim muito bonito, de longe é possível ver algumas casas com arquitetura tradicional do país em frente ao mar. Consigo me imaginar perfeitamente morando em um lugar como esse e deixando tudo para trás. Seria uma vida feliz, longe de toda a superficialidade que existe em meu mundo limitado e das bobagens que eu não deveria dar tanto valor. Então por que não consigo? Talvez por medo.

Todos pensam pelo menos em algum momento de suas vidas em deixar tudo para trás, mas rapidamente a gravidade nos traz de volta, nos lembrando dos problemas, da loucura que é pensar em abandonar tudo, das contas a pagar e das pessoas a não desapontar. E são nessas horas que desistimos de tudo e continuamos nossas vidas. Dizem que se apaixonar é uma forma de jogar tudo pro alto e ter uma vida plena e feliz. Sinceramente, eu seria idiota se acreditasse nisso. Mas sobre o dia de hoje, bem, poderia ser pior, pelo menos eu e Shailene não estaremos fazendo essas fotos em um estúdio fechado e sem vida, como nós costumamos fazer. 

Falando nela, um taxi estaciona e Shai sai correndo dele, pedindo desculpas pelo atraso a todas as pessoas que passam por ela. Pelo jeito desajeitado que ela corre, o cabelo assanhado e a cara de sono, parece que ela caiu da cama e foi direto pegar o taxi.

- Noite ruim? – Não consigo parar e rir da sua expressão atordoada e da roupa amassada.

- Horrível e cheia de pesadelos – ela senta ao meu lado – e olhar para a sua cara repugnante me faz pensar que eu ainda não acordei desses pesadelos.

- Faço das suas palavras as minhas. Não é nada bom começar o dia olhando para os seus cabelos de cacatua assanhada. Você não trouxe um pente na sua mala? – Ela me ignora e anda em direção a um grupo de pessoas. Eu gostei do seu novo corte de cabelo pra Insurgente, mas não vejo necessidade de admitir isso.

Após um tempo de preparação e quilos de maquiagem para disfarçar a cara de sono de Shailene, finalmente estamos prontos para essas fotos. E depois disso, acontecerá uma coisa que eu gosto de chamar de liberdade.

- Mais perto dele, por favor – o fotógrafo reclama e Shai resmunga entre os dentes, se aproximando mais de mim e fazendo com que o tecido da sua blusa roce na pele exposta dos meus braços. Passo os meus braços por sua cintura.

- Não é tão ruim assim ficar perto de mim, Shailene. Eu que deveria estar reclamando por trabalhar com alguém tão chata como você – sussurro em seu ouvido para os outros não ouvirem. Ela sorri forçadamente olhando para câmera.

- É incrível a quantidade de bobagens que sai da sua boca– Shai segura seu blazer no ombro e põe sua mão em meu peitoral. - Você escolheu mesmo a profissão certa, por que só entrando em vários personagens pra alguém te suportar - Sorrimos para a próxima foto.

- Nós temos mesmo uma conexão incrível, por que é exatamente isso que eu penso de você – Shai senta em minha perna e me abraça, retribuo o abraço e continuamos agindo como os melhores amigos do mundo, para as lentes do fotógrafo e pelo bem do nosso emprego.



Antes de voltar para o hotel e embarcar para fora desse país, verifico as ligações do meu celular.

Uma mensagem de voz:

"Boa tarde Theo, aqui é Neil. Como foram as fotos? Shailene está próxima de você? Se estiver, peça que ela também escute essa mensagem. É de extrema importância."

Procuro Shai entre as pessoas e assim que a encontro, puxo-a para um lugar mais silencioso. Ela me olha irritada. Aponto para o celular em meu ouvido e ela entende imediatamente, encostando o ouvido do outro lado do aparelho para também escutar a conversa.

"Durante esses meses de filmagens, nos deparamos com problemas comuns, problemas que acontecem com tantos outros filmes, mas houve um problema em especial que nos prejudicou de forma gritante: A péssima relação de vocês dois."

"Não sei como isso começou, mas todas as brigas, discussões, desentendimentos e conflitos que vocês tiveram, atrapalharam todo o ritmo não só da atuação de vocês, mas também de todos os outros atores e funcionários. Os problemas de vocês conseguiram modificar todo um ambiente profissional, quebrando de forma explícita uma das clausulas do contrato que vocês assinaram: "Manter uma relação pacífica e agradável, para um melhor funcionamento das atividades e melhores resultados". Durante esses meses, nós fizemos vista grossa sobre o assunto, acreditando que esses desentendimentos seriam resolvidos, mas as fofocas e o episódio do bar só nos fez acreditar que no relacionamento de vocês, a tendência seria somente piorar."

Sinto a culpa me invadir. Olho para Shai, que morde o lábio preocupada.

"Por isso, chegamos a uma conclusão para tentarmos resolver esse problema. Vocês, Shailene e Theo, terão que conviver juntos durante todo esse mês de férias. Já que vocês estão na Espanha, deverão permanecer aí mesmo, para fugir um pouco dessa realidade caótica que é os Estado Unidos. Vocês receberão uma lista com várias atividades que vocês terão de executar juntos nesse país. Vocês passarão por vários profissionais que tentarão ajudar vocês a terem um relacionamento melhor e de maior companheirismo, desde o psicólogo de "casais"ao professor de dança. Vocês terão que depender um do outro, terão que aprender a conviver um com o outro durante todos os dias dessas férias."

"Claro que não podemos obrigá-los fazer tudo isso. Vocês terão toda e qualquer liberdade para recusar a proposta, mas como uma das cláusulas dos seus respectivos contratos foi quebrada, caso vocês voltem a gravar Insurgente com o mesmo relacionamento conflituoso, nós teremos que tomar medidas extremas e vocês infelizmente terão de ser substituídos. Ninguém deseja que isto aconteça, por isso vocês precisarão conviver pacificamente."

"A lista de atividades será enviada para os seus respectivos e-mails. Espero sinceramente que vocês tenham entendido a nossa decisão e se esforcem para cumpri-la. Vejo vocês no fim das férias."

(...)

POV. Off

5 segundos de silêncio e choque se passaram após o fim do recado no telefone de Theo. Os dois se olharam perplexos depois de tudo que ouviram, e ao invés de conversarem sobre o ocorrido e procurarem uma forma de serem mais gentis um com o outro, ambos explodiram.

- ISSO TUDO É CULPA SUA! – os dois descarregaram todas as suas acusações um sobre o outro ao mesmo tempo, como se até o ódio que sentissem um pelo outro fosse sincronizado.

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