Olha só quem apareceu

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POV. Shai

Sobre o mau pressentimento que eu tive pela manhã sobre o dia de hoje: alarme falso.

De todos os dias que passamos em Madrid, esse foi o menos terrível. Eu e Theo não nos matamos, visitamos quase todos os museus e agimos como duas pessoas decentes e civilizadas. Encontrei até o Antony.

O Antony é o tipo de pessoa na qual eu quero ser um dia. Quando namorávamos, eu consegui absorver grande parte da sua forma de ver o mundo. Ele é uma espécie de nômade, nunca consegue viver fixo em um lugar, sempre tem a necessidade de viver em um país diferente, e conseguiu conciliar a sua profissão de médico com essa vontade de ajudar as pessoas e viajar o mundo. Seu caráter é indiscutível, mas a pergunta é: por que não demos certo, então? Eu não sei, provavelmente porque nós somos parecidos demais, tão parecidos que chegou a ser entediante. E por mais que eu quisesse, seria impossível acompanhar ele e viver uma vida tão inconstante, como se hoje eu estivesse na França, e amanhã na Austrália. Ele também não conseguiria abrir mão de tudo isso e viver a minha vida "relativamente calma".

Descobrimos isso quando consegui um papel incrível na mesma semana em que ele foi convocado para passar sete meses na Amazônia para tratar de uma epidemia recorrente da região. Eu não poderia perder o meu papel no filme para ir com ele, e nem ele poderia abrir mão da sua missão para ficar comigo.

Claro que o nosso rompimento não foi fácil, mas isso aconteceu há alguns anos e tudo foi superado. Hoje somos como irmãos, conseguimos ser maduros o bastante para reconhecer que éramos pessoas certas, só não um para o outro, e maduros o suficiente para admitir que gostamos demais um do outro para agir como ex-namorados comuns, que quando terminam passam a sentir ódio do ex e nunca mais se falam. Então hoje somos bons amigos. Sem mágoas e nem ressentimentos.

O apelido que o Theo deu à ele faz todo sentido, Antony é o Senhor Perfeito. Mas quem disse que o perfeito me atrai?

Afinal, o que me atrai?

Penso nisso enquanto eu e Theo voltamos de taxi para o hotel. Depois da cantada terrível no ônibus hoje mais cedo, ele se recusou a voltar e socializar com as pessoas. E desde que entramos no taxi, ele não disse uma palavra. Muito estranho. Então resolvo provocar ele só para ver se ele volta ao seu "estado normal".

- Não sei Theo, acho que se você tivesse usado aquela cantada comigo, eu já estaria caidinha por você.

- Eu preciso parar de andar com o Miles - ele ri comigo.

- E parar de repetir as cantadas dele. Acredite, elas só funcionam quando a festa já está acabando e o alvo dele é uma mulher tão bêbada que nem lembra mais o próprio nome. Acho que você precisa conhecer as cantadas de uma pessoa mais inteligente - aponto para mim mesma. Theo vira pra mim e me olha interessado.

- Essa eu quero ver!

Percebi que até o taxista ficou interessado no assunto, já que não para de nos bisbilhotar pelo retrovisor.

- Essa funcionou comigo na feira orgânica do ano passado: Eu cheguei no cara toda confiante e falei:

- Você é vegetariano?

- Ele respondeu: Sim, por que?

- Porque hoje eu estou alFACINHA!

Theo deita no banco da carro de tanto rir, e até o taxista não perdeu a oportunidade de rir da minha cara.

- ALFACINHA? FACINHA? Shailene como você consegue se auto-sabotar a esse ponto?

- Pelo menos funcionou - dou de ombros e começo rir também.

E pelo menos tirei o Theo do seu estado depressivo.

E o taxista também, já que infelizmente entende o nosso idioma.


POV. Theo

Chegamos ao hotel às nove da noite completamente cansados, mas valeu a pena. O dia não foi tão ruim assim, mas só em lembrar do que teremos que fazer amanhã, eu sinto vontade de voltar correndo para a minha antiga casa na Inglaterra.

- Pronto para a aula de Yoga amanhã? – essa mulher lê mentes.

- Eu nasci para esperar esse dia chegar - levanto os dois polegares e sorrio forçadamente, tentando passar toda a empolgação que não existe.

Quando as portas do elevador se abrem no nosso andar e finalmente pensamos que iremos pra os nossos respectivos quartos descansar, a cena na qual nos deparamos só me faz acreditar que o meu cansaço já está me causando graves alucinações.

Olho para Shai que me encara igualmente espantada.

Mas que porra Zoe e Miles estão fazendo aqui?

(...)

- ELES CHEGARAM! - Miles joga as suas malas no chão, corre em nossa direção e nos abraça ao mesmo tempo, seguido por Zoe que faz o mesmo. Agora somos um amontoado de pessoas agarradas no meio de um corredor desnecessariamente luxuoso e vazio.

- Eu soube da notícia terrível de que vocês vieram para a Europa para fazer terapia e visitar museus, então eu pensei: NÃAAO, ISSO NÃO PODE ACONTECER! – Miles grita e apoia seus braços no meu ombro e no de Shailene, que ainda olha para ele sem entender nada.

- NÃAAAO MESMO - Zoe senta em sua mala no meio do corredor, e pelo bafo deles já sei qual é o motivo dessa alegria toda.

- Por isso eu vim e trouxe a Zoe, porque nós não admitimos o que fizeram com vocês. Então esqueçam qualquer atividade chata que vocês planejaram, PORQUE NÓS VAMOS VIRAR ESSA CIDADE DE CABEÇA PRA BAIXOO!

- ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ! – Zoe levanta as mãos no ar e fica balançando em cima da cabeça.

- Vamos salvar o final de semana de vocês! Porém, não fiquem tristes, mas infelizmente não poderemos ficar por mais tempo do que esse final de semana. - Zoe fala contrariada, provavelmente por achar que vai passar pouco tempo causando o caos na Espanha.

- Então, estão prontos para a noite mais inesquecivelmente louca dessas férias? - Miles espera a nossa reposta em total expectativa.

Bom, eu poderia fazer o que eu sempre faço: pensar que isso não poderia piorar, mas eu já pensei nisso assim que embarquei no avião com a Shai, antes mesmo de chegar até aqui, e penso nisso todos os dias assim que levanto da cama. Então só por esse final de semana vou deixar de ser pessimista. Olho para o Miles, a Zoe (que já está quase dormindo em cima da mala), e para a Shai, que morde o lábio indecisa.

- Quer saber? Ainda são nove horas da noite de uma sexta-feira, e nós estamos juntos em um país desconhecido. Sabe o que isso significa? – os três me olham curiosos.

-NÓS PODEMOS FAZER TUDO! - (ou quase tudo)

- ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ! – Miles e Zoe começam a comemorar dançando no meio do corredor.

Shai continha pensativa, e de uma hora para outra abre um sorriso enorme.

- Quer saber? Que se foda essa merda toda, VAMOS NOS DIVERTIR!

O silencio toma conta do corredor. Shai falando palavrão?

Sinto que esse é só o começo dessas férias loucas.

Férias com o filósofoOnde histórias criam vida. Descubra agora