1- Uma Triste Notícia é Recebida

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Uma triste notícia é recebida
All my Love.
Foi o trecho da música que eu estava ouvindo quando o telefone tocou. Lembro desse dia como se fosse ontem. O dia em que ganhei "um irmão".
Então ali estava eu, Milena, a Milena de sempre, uma menina de dezesseis anos, cabelos cacheados médios e pretos, olhos negros e pele levemente morena, com um rabo de cavalo, roupas de casa e vassoura na mão, efetuando uma árdua tarefa... a tarefa de varrer o chão da sala. Com uma música ensurdecedoramente alta atrás de mim. Mas fazer o que? Eu só consigo varrer se tiver uma boa musica.
Naquele dia, o telefone tocou e eu atendi quase que imediatamente. O telefone fixo quase não tocava. Mas, naquele dia, uma voz chorosa atendeu e disse com dificuldade que queria falar com Annie. Milagrosamente, ela estava em casa, porque Annie sempre estava trabalhando. Ela atendeu o telefone e seu rosto foi se agravando até ela desligá-lo. Foi aí que ela perdeu o chão completamente... eu a segurei, com um grito. E com dificuldade, a coloquei no sofá. Lembro exatamente de minhas palavras:
- Annie, está tudo bem? Eu vou buscar um copo de água com açúcar!
Corri direto pra cozinha, onde a minha irmã, Sophia, estava. Fui preparando às pressas um copo de água com açúcar. Sophia tinha cinco aninhos na época e perguntou com aquela voz inocente pra mim:
-Você ta bem?
- Estou, querida, mas eu preciso levar isso pra Annie, ela está com problemas!
Fui correndo levar o copo para Annie e Sophia veio andando atrás de mim. Quando entreguei o copo a Annie ela tomou devagarzinho, sem pressa, como se tivesse todo o tempo do mundo. Quando terminou, olhou para mim com um olhar de súplica. Procurando apoio. Eu conhecia aquele olhar, era o olhar que eu tinha toda vez que olhava no espelho quando estava no orfanato. Por isso eu me senti na obrigação de falar algo, de proporcionar o apoio que ela me deu quando me adotou, e à minha irmã, e nos levou pra morar com ela.
- Annie, pode contar com a gente pro que precisar, afinal você nos ajudou primeiro. Se quiser falar, tudo bem, vamos ouvir. Se não quiser falar, tudo bem, vamos entender.
- Ta tudo bem, Annie?
Ela respirou fundo três vezes, depois, seus olhos começaram a lacrimejar e lágrimas começaram a rolar. Então, Annie começou a chorar de um jeito que eu nunca tinha visto, e que eu nunca veria de novo...
- Sophia, lembra do seu primo?
Argh.
Infelizmente, eu lembrava dele, Erick, basicamente um menino da minha idade, que estava sempre com o cabelo bagunçado e com a expressão entediada. Às vezes, quando estava de bom humor fazia piadas e ria muito, e sua expressão era leve e feliz. Ele seria legal, se estivesse, na maioria das vezes, de bom humor, mas, como estava sempre com a expressão vazia, era muito chato. Porque não tinha, hm, sal. Seria melhor se fosse incrivelmente chato, mas, não, ele era sem humor, sem sal, o que era pior ainda. Eu agradecia todos os dias por não sermos primos de sangue.
Sophia concordou com a cabeça.
E como eu não queria falar alguma besteira do tipo "Aquele super-chato-que está-sempre-com-a-expressão-vazia-e-eu-o-detesto-mais-que-todos-na-família? Mas é claro que eu lembro. Infelizmente. Como eu não lembraria?", eu me limitei a imitar o gesto de Sophia.
Annie continuou.
- Bom, a mãe e o pai dele, eles foram embora e não vão mais voltar. Eles foram embora permanentemente.
Ela se derramou em lágrimas de novo.
Demorei um pouco pra entender essas palavras. Eles não iam mais voltar.
Eu precisei me segurar no móvel da TV pra não cair. Ok, eu não gostava do cara, mas a mãe dele era incrível, minha tia, foi a primeira a me aceitar (e à minha irmã) como, realmente, uma nova parte da família. E o pai dele, bom, ele a apoiou e, como sempre, usou o bom humor como boas-vindas. Logo me acostumei com os novos tios. Eram pessoas preciosas, não poderia se perder eles sem perder o chão também.
- E você não pode mais ver eles?
Perguntou Sophia, fofa e inocente como sempre.
- Não, Sophia, nunca mais.
Respondi.
Ela fez uma cara de frustração e abraçou Annie.
É, eu não tinha como falar nada.
Durante a noite, eu teria um novo "irmão".
À noite, um menino com a expressão vazia foi recebido em uma pequena casa que era o meu lar.




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