Capítulo 1

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Como tem acontecido nos últimos meses, hoje eu acordei assustado com o despertador, surpreso por já estar na hora de levantar, fiquei na cama por mais quinze minutos, me perguntando por que diabos eu tenho que acordar tão cedo pra ir pra um lugar que eu odeio e que, no caso, é a escola. Colégio. O inferno.

Eu acabei de começar o segundo colegial, o que significa que logo eu estarei livre disso. Mas, por enquanto, por mais dois anos, eu vou ter que acordar às seis da manhã e fingir que não quero matar todo mundo todos os dias. O lado bom disso é que eu passo algumas horas por dia longe de casa e, pela sanidade que ainda me resta, ficar longe de casa é bom. E, por isso também, eu saio da aula e volto a pé para casa. O caminho é longo e eu ando devagar, coisa que foi difícil de eu aprender, ainda mais porque normalmente eu estou ouvindo músicas num volume muito alto, então é difícil não coordenar os passos para seguir o ritmo da bateria. Aliás, acho que raramente alguém vai me ver sem fones de ouvido, mesmo que eu não esteja escutando nada, eles estão sempre em volta do meu pescoço. Eles são uma forma de eu me lembrar de que eu preciso ser forte. Por quê exatamente eu ainda não sei, espero que um dia eu descubra, mas, por enquanto, eu vou continuar olhando o chão enquanto caminho, contando os passos, cantando as músicas mentalmente, fazendo qualquer coisa pra evitar que os pensamentos que estão ali venham à superfície e eu me perca novamente.

Hoje não foi diferente. Depois da aula, coloquei meus fones de ouvido, o capuz pra evitar a garoa na cabeça e caminhei em direção à minha casa. Um aceno e um meio sorriso foi o suficiente para me despedir da meia dúzia de pessoas que conversavam na porta do colégio e olhavam pra mim esperando algo mais animador. Todos acenaram de volta, sorrindo, e então rapidamente voltaram a conversar entre eles sobre algo que duvidosamente me agradaria.

Alguns minutos depois, já na esquina de casa, eu encontro Ben. Ben é um punk que provavelmente não sabe que não estamos mais nos anos 80 e que moicanos não estão mais na moda, mas mesmo assim, ele é um cara legal. Está sempre de preto, coturnos e colete ou jaqueta de couro, na calça sempre um cinto e correntes que chacoalham a cada passo. Ele não diz muito, raramente me cumprimenta, mas sempre andamos juntos até em casa. Eu o conheço há tempo suficiente pra dizer que ele sabe muito sobre mim. Conto a ele o que fiz na escola naquele dia, mesmo que a maioria das vezes eu apenas reclame sobre como odeio ter que sentar numa cadeira desconfortável por horas olhando um adulto resmungão que odeia o próprio emprego falar sobre coisas que eu não entendo e provavelmente jamais vou usar na minha vida. Ben é compreensivo e não fala se não houver algo pra contribuir para a conversa, mesmo assim ele adora dar conselhos. E normalmente são exatamente o que eu quero ouvir no momento.

Chegando ao portão da minha casa, Ben faz uma mesura, dois dedos na testa, como se estivéssemos no exército ou coisa assim e se vira para ir embora sem se despedir. Eu repito o seu movimento e sigo pelo caminho entre a grama até a porta de casa. Enfio a mão na mochila e procuro até achar a chave e abro a porta respirando fundo.

- Mãe? Cheguei.

Nada. Nenhuma resposta.

- Mãe? Alguém?

Não.

Parece que eu estou sozinho hoje. Tem sido assim ultimamente. Deixo a chave no aparador de madeira atrás da porta e a fecho atrás de mim, seguindo em direção à escada. Antes de subir, me certifico de que não há ninguém e subo devagar. No topo da escada há dois quartos, o meu e o da minha mãe, são opostos. Somos só nós dois em casa. O meu quarto é à esquerda e o da minha mãe, à direita. As portas ficam fechadas sempre, então faço uma última vistoria e bato na sua porta.

- Knock knock, mãe? – cantarolo entreabrindo sua porta e colocando o rosto próximo da madeira o suficiente para sentir o cheiro do verniz e conseguir enxergar pela fresta.

Bloody KnucklesOnde histórias criam vida. Descubra agora