Capítulo 19

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Acordei sábado e já estava esperando que Broke aparecesse depois do almoço, o que realmente aconteceu. Ela vestia uma saia escura, tênis brancos, meias e uma camiseta branca rasgada. Seria uma pessoa muito estranha se não fosse ela. Ela ficava linda daquele jeito. Arrumei o boné ao entrar no carro e ela dirigiu durante vinte minutos até outra cidade vizinha. O plano dela era o mesmo: roubar coisas inúteis de mercados que estavam indo a falência (e depois me melecar com alguma coisa).

Dessa vez pegamos máscaras pretas de ski que estavam na promoção, alguns pacotes de marshmellows e um pequeno aparelho de som que devia estar à venda há dez anos. Corremos para fora, mas dessa vez não havia alarme e só fomos seguidos por uma funcionária muito acima do peso que mal aguentou atravessar o estacionamento correndo, antes de desistir e voltar para dentro.

Paramos na estrada de volta para casa e nos sentamos, os dois vestindo máscaras de ski, e ficamos ali conversando sobre nada em particular durante horas, até o sol começar a descer na nossa frente e as luzes da cidade começarem a se acender.

A verdade era que ninguém daria falta daquelas coisas inúteis e, mesmo que fosse ilegal, aquilo me tirava de casa e evitava que eu me perdesse em mim novamente. Não consigo lembrar quando havia sido a ultima vez que eu havia me sentido daquele jeito. E me sentir assim era bom.

Tiramos as máscaras quando ficou quente demais e permanecemos ali até o céu ficar completamente escuro, a lua brilhando branca e gorda no alto, então Broke já estava deitada com o rosto em meu peito e o braço sobre a minha barriga, eu enrolava os dedos nas mechas do seu cabelo e eventualmente passava a mão nas suas costas, puxando-a para mais perto de mim, quase como se eu quisesse inconscientemente nos unir em um corpo só.

Os dias seguintes se passaram da mesma maneira e nós estávamos ficando sem cidades para visitar. Pelo menos as que demoravam menos de duas horas no carro. E basicamente só pegávamos coisas inúteis e comida. Mas era como se eu já estivesse começando a criar um vínculo com aquela rotina e eu não sabia o que isso poderia significar.

Descemos do carro e entramos em um mercadinho chique, a parede principal era branca e com muitas janelas que exibiam o interior colorido; ao passar pela porta vimos várias pessoas andando pelos corredores, carregando suas cestinhas com produtos orgânicos e sucos da Indonésia, e fomos direto até a parte onde estavam expostos artigos de praia. Talvez aquela cidade fosse perto de uma cidade praiana afinal. Broke escolheu cuidadosamente uma canga que combinasse com o seu shorts e enrolou-a no braço. Atravessamos a porta de volta a céu aberto e ouvimos alguém lá dentro gritar apontando o braço para nós. A passos largos, virei o rosto e então notei que o mercado tinha câmeras de segurança para todos os lados. Droga! Estávamos ferrados. Seríamos presos e minha mãe me deixaria apodrecer no reformatório e Broke nunca mais falaria comigo. Era o nosso fim.

- Merda! Broke, câmeras. Como não vimos antes de entrar? – falei ao entrar no carro e bater a porta, já a salvo (ao menos por enquanto).

Eu podia sentir meu rosto ficando quente e as veias das minhas mãos dilatando, conforme eu abria e fechava os dedos com força. Fechei os olhos e soltei o ar, esperando que isso liberasse o outro eu de dentro de mim. O eu que agora começava a assumir o controle novamente. O eu que não aparecia há muito tempo e que adoraria socar alguma coisa, ver a marca e sentir o sangue quente escorrer por entre os dedos. O eu que Broke não conhecia e que não poderia.

- Calma – ela segurou minha mão, puxando-a para sua perna e entrelaçou nossos dedos, sorrindo. – Qual a chance de acontecer alguma coisa? Ninguém se importa com adolescentes baderneiros que furtam comida.

- Certo. Vamos embora – minha voz estava irreconhecível e Broke me encarou séria antes de ligar o carro e fixar os olhos na estrada.

Chegando em casa, me enterrei na cama com o rosto no travesseiro e esperei que o ano inteiro passasse antes de me levantar novamente. Queria desfazer o dia de hoje. Como pudemos ser tão idiotas? Meu celular vibrou no meu bolso, interrompendo meus pensamentos. Uma mensagem de Broke, só podia ser, e ela parecia estar tão animada quanto quando começamos aquilo tudo. Engoli alguns comprimidos, que droga de hábito e fui dormir, torcendo para que nada invadisse meus sonhos e me fizesse acordar no meio da noite tendo calafrios.

Bloody KnucklesOnde histórias criam vida. Descubra agora