Capítulo 21

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Evitar "meus amigos", as pessoas com quem eu passara bastante tempo nas férias foi mais fácil do que eu imaginava e duas ou três vezes que eu ignorava suas ligações ou mensagens já eram o suficiente para fazê-los desistir. E, apesar disso, meu celular vivia no meu bolso e eu pulava ansioso a cada vez que ele vibrava. Mas nunca era ela. E a silhueta de Ben acenava com a cabeça.

Mesmo há tanto tempo sem me concentrar em mim ou no que eu escondia na gaveta ao lado da cama, agora as paredes brancas chamavam por mim. Mas não era a voz de Ben, nem de Anna, e muito menos a minha própria. Não. As paredes chamavam o meu nome em silêncio. Era como uma melodia que ninguém ouvia, mas meu corpo inteiro entendia. Entrelacei os meus dedos, uma mão segurando a outra na frente do meu corpo, a fim de conter meus impulsos, torcendo os dedos para lá e para cá, causando uma leve tensão, deixando a ponta dos meus dedos vermelha, estralando as juntas em sons baixos.

Olhei ao redor pelo quarto, caçando com os olhos algo mais interessante em que me concentrar. Nada. Nem a lua lá fora era brilhante o suficiente para chamar minha atenção. A canção dentro de mim agora estava mais alta, era quase ensurdecedora, me causava dor de cabeça. Meus dedos já doloridos de segurar a eles mesmos agora passavam entre meus fios de cabelo, pelos olhos, na camiseta. Cocei o braço, dei passos em direção a um móvel e então a outro. Novamente. Cruzei os dedos atrás do pescoço, forcei minha nuca e fechei os olhos com força. Então silêncio. Agora eu estava parado, de pé no meio do quarto, os olhos fechados, os ombros curvados para frente, os braços pendendo ao lado do corpo e a cabeça jogada para trás.

Silêncio.

Pude sentir eu voltar a mim, recuperei o controle, abri os olhos, endireitei a postura e inspirei. Então meu braço atravessou o ar e meu punho fechado acertou a parede.

O despertador tocou. Aquele som insuportável anunciando a volta às aulas. Sete e meia da manhã eu podia sentir meus olhos pesados tentando decifrar as silhuetas do meu quarto. Virei para o lado, enterrando metade do rosto no travesseiro, procurando as forças pra começar tudo de novo, o cabelo caindo sobre meus olhos e me instigando a mantê-los fechados por mais tempo. Abri a mão apenas para me contorcer de dor. O sangue seco nas minhas juntas estava cercado por marcas arroxeadas. Escondi a mão debaixo do cobertor.

Por outro lado, a volta as aulas significava também que meu aniversário estava se aproximando e eu completaria 17 anos e a cada dia que se passava, o fim do colégio estava mais próximo. Mantive esse pensamento em mente e sai da cama, lamentando cada passo.

Pronto para enfrentar o primeiro dia de aula, ou pelo menos o máximo que eu conseguia estar, desci as escadas carregando a mochila no ombro, ouvindo os passos de Anna atrás de mim. Encontrei minha mãe na cozinha e ela me deu um beijo na testa quando me sentei à mesa para comer cereal, então voltou a preparar seu café. O sol havia nascido há pouco tempo e ainda estava baixo o suficiente para atravessar a janela da cozinha e pintar de amarelo a mesa de madeira, atravessando meu braço esquerdo em uma linha sinuosa, esquentando meus hematomas novos em folha. Sacudi a mão, como que para me livrar daquela sensação de novo e a escondi embaixo da mesa, liberando o caminho para o raio de luz. O ar já não era mais tão abafado como no verão e o dia já não era tão claro.

Inspirei fundo o ar cheirando à café fresco e atravessei a porta, aceitando meu destino: o inferno.

Após caminhar por entre alunos bronzeados vestindo bermudas e casacos que não paravam de falar sobre o verão e como haviam sentido saudades dos "amigos", me sentei em uma carteira no meio da sala de aula, porém próximo demais do professor e me arrependi da escolha quando cinco minutos mais tarde minhas pálpebras insistiam em fechar por tempo demais. Mas elas não fecharam quando meus olhos focaram uma figura adentrando a sala de aula no segundo período: Broke.

Vestia uma calça dobrada nos tornozelos, uma camiseta branca e sua jaqueta verde amarrada na cintura. A mesma que ela estava vestindo no estacionamento, aquela primeira vez que saímos juntos. Segurava ao lado do corpo dois livros e sua mochila, que logo foi arremessada no chão quando ela passou por mim e achou um lugar no fundo da sala. Meus olhos acompanharam todo seu percurso, sem nenhuma discrição, eu permanecia com a cabeça virada para trás, observando cada movimento seu. Ela agia como se estivesse sozinha ali, não notara a presença de ninguém, não notara a minha presença ali, o que significava que eu realmente havia desaparecido... ou ela era mesmo muito boa em fingir.

O professor bateu palmas na frente da lousa, anunciando que iria começar a falar sobre mais alguma coisa em que eu não prestaria atenção pelos próximos quarenta minutos. Virei o rosto para frente, mas minha mente permaneceu em Broke. Será que só eu me sentia daquele jeito sobre ela e ela não sentia nada por mim? Nada? Nem mesmo o mínimo de vontade de passar e dizer "oi, Vic, quanto tempo, eu estou bem e você?"? Nós passamos muito tempo juntos, isso é um fato. Será que ela achava que isso tudo era cedo demais e eu estava precipitado? Dizer que eu amava ela realmente tinha sido demais, mas tanto assim?

Minha cabeça começava a doer novamente e as imagens que eu via começaram a se fundir com memórias de Broke e com imagens de Ben e Anna e eu não conseguia mais me concentrar em nada. Fale alguma coisa, Broke, qualquer coisa. Eu conseguia ouvir a voz de Ben no meu ouvido, mas eu não entendia o que ele falava. Anna cantarolava ao mesmo tempo. O professor explicava algo sobre o ano que acabara de começar. Parte do que eu via estava em preto e branco, nada fazia sentido.

Fechei os olhos a fim de recuperar a lucidez e apoiei o rosto nas mãos, os cotovelos sobre a mesa.

Eu estava no parque, as luzes do carrossel estavam acesas. Ben apareceu à minha frente de repente. "Acorde" ele sussurrou e então estalou os dedos e meus olhos se abriram. Eu estava na sala de aula e o professor parado ao meu lado estalando os dedos repetidamente.

- Victor, se você não está bem, vá para a enfermaria, mas não durma na minha aula.

Agarrei minha mochila do chão e atravessei a sala o mais rápido que pude em direção ao corredor. Tão rápido que nem tive tempo de me preocupar que todos os olhos da sala estavam em mim.

Sentei-me no chão do corredor ao lado da porta da sala de aula e ergui os joelhos, encostando a cabeça na parede enquanto tentava recuperar o fôlego. Agora tudo estava branco, o corredor estava iluminado demais e meus olhos ardiam, mas o resto era branco, silêncio, nada. Permaneci ali por um bom tempo. O sinal soou anunciando o fim do primeiro dia e os alunos de bermuda retornaram aos corredores. Me levantei lentamente e caminhei até em casa, sem músicas, sem prestar atenção ao meu redor, apenas um pé depois do outro.

Na esquina da rua de casa, Ben apareceu e juntou-se a mim, caminhando ao meu lado e me olhando de cima, enfatizando a nossa diferença de altura.

- Eu já sei. Não fale nada – meus olhos permaneciam na calçada.

Ele respondeu com um movimento de ombros. Não era mesmo como se ele fosse falar alguma coisa. Caminhamos em silêncio passando por algumas casas. Engoli em seco.

- Eu não acredito que ela passou por mim e nem falou oi – encarei Ben de lado. – nem Oi.

Ele ergueu uma mão em resposta. O que ele queria dizer com aquilo? Fale alguma coisa, Ben. Estão todos em greve de palavras comigo, por acaso?

- Nós passamos o verão inteiro juntos, praticamente – chutei uma pedra que descansava logo à minha frente. – Nem ao menos me olhou, ela Nem Me Olhou.

Uma saudação na testa e Ben se foi. Girei a chave na porta de casa e entrei chutando o ar a cada passo.

Bloody KnucklesOnde histórias criam vida. Descubra agora