Capítulo 3

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Mais uma semana de puro silêncio. E outra. E outra. Os meus dias se resumiam em ir à escola, caminhar até em casa e dormir. No meio tempo, eu passava as aulas observando Broke e seus delicados movimentos de uma pessoa comum. E, agora o fim do inverno estava chegando, o que significava que logo haveria sol e, com isso, músicas alegres e pessoas dando festas em piscinas. Meu pesadelo.

Ben e Anna revezavam tomando conta da minha vida. E quando eu digo "tomando conta da minha vida" eu realmente quero dizer "enchendo o saco e metendo o nariz onde não foram chamados", mas no fim do dia, eles são os únicos que realmente gostam de mim e acho que eu não poderia viver sem eles. Eles passaram por tantas coisas comigo que seria injusto desistir de tudo assim, não é mesmo? Eles sempre estão aqui por mim ao cair da noite.

Os dias já não requerem mais dois casacos, nem toucas, minha respiração não é mais visível do lado de fora e não há mais necessidade para luvas. Minhas juntas estão cicatrizando, finalmente, e as marcas cor de vinho vivo na parede agora estão acobreadas, quase marrons, assim como as tantas outras. E, numa tarde qualquer de quinta-feira, retiro as fitas que prendem um dos pôsteres na parede e o recoloco sobre as marcas do meu punho, aliso o papel e o prendo pelos quatro cantos com novos pedaços de fita. Um passo para trás para me certificar de que cobriu tudo e a nova visão já traz um certo alívio à minha mente, o que me lembra de que semana que vem tenho consulta no psiquiatra e isso significa mais exames, mais fotografias do meu cérebro e novas receitas de medicamentos caros que me manterão estável por mais alguns meses.

Quando o dia chega, Anna me acompanha até o consultório. Sempre com as suas roupas claras e cabelo liso, ela segura a minha mão durante todo o caminho e de vez em quando me faz pensar se não seria melhor desistir logo e voltar para casa enquanto ainda há tempo. As dores no estômago ocupam meus pensamentos e de vez em quando dão espaço aos calafrios, ao batimento cardíaco acelerado e às mãos geladas. Eu aprendi a conviver com a Anna e aprendi a viver com esses sintomas, mas às vezes gostaria que tudo isso simplesmente desaparecesse, que eu acordasse um dia e nada mais disso fizesse parte de mim. Um novo eu.

Algumas horas e momentos embaraçosos de conversas forçadas depois e minhas mãos trêmulas agora carregavam alguns papéis para casa, eu diria que cinco no total, incluindo novas receitas dos comprimidos que eu já tomo diariamente e três requerimentos de exames. Exames estes que determinarão se a minha situação melhorou ou piorou nesses três meses que se passaram. Fotografias do meu cérebro que são a verdade absoluta. Não haverá mais vazão para pensamentos como "mas terapeutas são apenas pessoas com opiniões, eles podem estar enganados quanto a isso ou isso". Não. A ciência estará lá, o tempo inteiro, impressa num papel, para provar se eu sou um caso terminal ou se ainda há esperança.

Esses pedidos requerem não apenas exames, mas requerem também que eu os marque e isso é algo que eu não posso fazer. Não posso. Sinto muito. Meu nome é Victor, eu tenho 16 anos e não posso pegar o telefone e agendar um exame. Que patético. Mas é algo que Anna me proíbe de fazer e eu não saberia explicar o motivo exato de tal restrição, mas ter que interagir com outros seres humanos – os quais eu desconheço – é algo que eu não faço. E isso significa que, caso minha mãe não esteja de bom humor, o Victor aqui ficará sem exames. Se isso é coisa boa ou ruim, eu já não sei. Vou deixar que você reflita sobre isso para mim. Saber a verdade sobre o meu cérebro e as mudanças que essa massa cinzenta sofreu por causa de química nos últimos três meses pode ser tanto animador quanto desanimador e a incerteza pode me matar.

- Mãe? – perguntei ao abrir a porta de casa. Minhas mãos paravam de tremer aos poucos com o cheiro familiar do piso de madeira. – Já voltei.

- Como foi, querido? O que são esses papéis?

Será que isso quer dizer que ela está de bom humor? Vamos descobrir logo mais.

- Preciso refazer os exames, mãe. Você pode agendar para mim, por favor? Eu vou tomar banho.

- Faça isso você mesmo, Victor, você já é bem grandinho e pode lidar com suas responsabilidades – ela respondeu enquanto lia algo técnico nos papéis que eu acabara de lhe entregar.

- Mas mãe, é só marcar, por favor – fingi que era apenas preguiça, forçando a voz para parecer cansado enquanto subia os degraus e então parei para lançar um olhar de cachorrinho abandonado para ela, que sorriu e concordou com a cabeça.

Entrei no banho, aliviado por me livrar de tal tarefa, mas preocupado com o dia em que eu teria que ficar horas esperando dentro de uma sala de espera até chamarem meu nome bem alto e eu ter que me levantar, com todas as outras pessoas me encarando, se perguntando que tipo de problema um garoto como eu teria e esperando que eu tropece e caia na frente de todos. Meu nome é Victor e eu sou paranoico. E isso é mentira, eu apenas tenho um pouco de medo de que prestem atenção em mim, eu fico nervoso e não é nada bonito.

Mas, enquanto eu tenho as coisas sob controle, eu vou aproveitar e descansar. Pensamento que finalizou meu banho. Abri o vidro do box, contente pelo fim do inverno, pois agora meus dentes já não batem mais, minha pele não fica arrepiada e eu não congelo enquanto me seco o mais rápido possível para me enfiar no moletom. Hoje, uma camiseta é o suficiente. Então abri a porta do banheiro secando o cabelo, justamente na hora que minha mãe gritava por mim.

- Fiz sopa! Vem jantar!

Sopa? Ela fez sopa? Deve ser brincadeira. Mas, apesar de tudo, eu sei o quanto ela gosta de sopa e não seria tanta surpresa se ela realmente tivesse cozinhado para variar.

Desci a escada de meia e entrei na cozinha, dando de cara com uma boa surpresa.

- Você. Fez sopa.

Me sentei e sorri, um sorriso honesto, antes de comer o meu jantar. A sopa estava gostosa e minha mãe tentou puxar todos os tipos de assunto durante a nossa refeição, falando sobre aquela sopa ser a comemoração do fim do inverno, perguntando sobre meus planos para o fim de semana, como se ela já não soubessem que a resposta seria "nada" e me contando incessantemente as fofocas do trabalho, como se eu soubesse quem é "Mateus", "Carlos" ou "Camila do RH". Mas foi bom. Foi um jantar que eu não quis jogar fora, afinal, e finalmente senti que minha mãe estava ali, pela primeira vez em um bom tempo, ela estava prestando atenção.


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