II. Entre Nós

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Eu pensei seriamente em não responder. Mas qualquer tentativa era inútil, em vão. Meu orgulho não existia quando o assunto era Caroline. Eu olhei mais uma vez para a mensagem, então respondi.

Maria Luiza
Oi, tudo bem. E você?

O fato de eu amar a Caroline, e todo mundo saber, é que isso servia para ela exibir meu coração como mais um de sua estante. Ela deveria colecionar corações, ela era linda e apaixonante, deveria ter muitos para colecionar. Quando terminamos - ou melhor, quando ela terminou comigo - um grande abismo se abriu entre nós. Eu estava disposta a pular para ficar com ela, mas Caroline só me deu o silêncio dela. Eu me acostumei com o silêncio dela. O silêncio desceu em seco, arranhando minha garganta, e parando no peito como uma pedra pesada. Eu nunca falava de minhas tristezas - aliás esse era outro efeito-pós-término-com-a-Caroline - eu não falava porquê a única pessoa com quem eu queria falar de minhas tristeza, era o motivo dela. O silêncio da Caroline me tornou uma pessoa muito funda, um mar muito agitado. Meu celular tocou novamente. Mensagem da Caroline.

Caroline
To bem. Então, vou direto ao assunto, ok? Eu sei que não vai ser a mesma coisa, mas eu não tenho raiva de você, nem nada. Ainda gosto muito de você, embora seja bem diferente hoje, seja como uma amiga. Eu quero dizer que sempre que se sentir sozinha e precisar de alguém pra conversar eu vou estar aqui. Vai ficar só entre nós. Eu sei que faz muito tempo que não nos falamos, mas seria bom ter sua amizade de volta.

Essa foi uma das poucas vezes que alguém conseguiu me deixar sem palavras. Eu não sabia nem o que pensar, e muito menos o que dizer. Eu não sei o que é pior: aceitar o doloroso silêncio completo da Caroline, e ver sua vida passando de longe, ou ser amiga dela e ver outra pessoa ocupando meu lugar ao lado dela. A verdade é que eu tinha medo de perdê-la por completo.
Eu parei de tentar voltar com a Caroline no mesmo dia em que ela disse ''acabou''. Não foi porque eu não amava ela, eu a amava mais a cada dia que passava, mas foi porque eu me dei conta de que: se entre duas pessoas, em uma delas não há mais amor, pelo que mais nós vamos ficar, e lutar? Esse foi o momento crucial de desistir de algo que eu não me imaginava sem. Foram tantos momentos que ela havia me proporcionado, tantas alegrias, tristeza e até mesmo angústia. Mas eu nunca havia pensado que aquele momento chegaria. Os nossos planos haviam sido jogados no vento, as conquistas se tornaram apenas lembranças de algo bom. E então, nada mais foi como antes. Os nossos olhares não foram os mesmos, os sorrisos então, eu nem quero falar. A vida havia me tirado aquilo que mais me fazia bem, e não quis saber como eu ficaria depois de uma despedida dolorosa. Eu respondi apenas ''okay, obrigada''. Aquilo foi demais pra mim. Eu queria chorar, mas não sabia porquê. Então quase sem perceber eu já estava chorando, e gritando pros céus, pro universo, ou pra quem quisesse ouvir, que eu amava ela.
Eu sempre fui boa com as palavras, mas eu sempre guardei elas pra mim. Era uma ótima escritora, todos diziam, mas eu só sabia escrever sobre ela. Então eu parei. Por mais que eu tentasse fugir da Caroline, havia uma parte dela dentro de mim - e eu não sabia o quão grande era essa parte que ela ocupava. E foi mais uma vez pensando nela, que eu peguei no sono.

Acordei por volta das 21 horas. Eu não jantei, apenas conversei um pouco com meu irmão, os mesmos assuntos de sempre: futebol, meninas bonitas da nossa rua, eu durmo demais, minha mãe só reclama. Meu irmão é uma boa pessoa, a única com quem eu realmente gosto de conversar. Ele é 12 anos mais velho do que eu, e às vezes parece que temos a mesma idade. Eu brinquei um pouco com meu cachorro, e me sentei na mesa. Mesmo quando eu não jantava, ainda assim me sentava na mesa com minha mãe e meu irmão. Eu estava sem os óculos, com o cabelo desarrumado e de pijama. Vou confessar que várias vezes pensei em me arrumar melhor, ter uma aparência melhor, mesmo que por dentro eu estivesse desabando. Mas esse foi mais um efeito-pós-término-com-a-Caroline. Minha mãe não entendia qual era meu problema. Podemos dizer que ela sabia sobre a Caroline, mas sem saber ao certo. Quando a mãe da Caroline decidiu que ela não iria mais me ver, eu tive que dizer alguma coisa pra minha mãe sobre meu choro que não parava nunca, e o fato da Caroline ter desaparecido da nossa casa. Então eu disse ''a mãe dela acha que ela pode gostar de mim mais do que devia. Ela não quer mais que a gente se veja''. E isso bastou. Alguns dias depois meu irmão perguntou se eu estava namorando com a Caroline, eu simplesmente olhei para ele, e foi isso. Eu e meu irmão tínhamos uma conexão muito grande, ele só precisava de um olhar meu para entender. Desde então, o assunto Caroline era proibido lá em casa. Primeiro porquê minha mãe não havia gostado de saber sobre a minha sexualidade, segundo, porquê eles queriam que eu esquecesse tudo o que havia acontecido. Minha mãe, do nada, resolveu perguntar:
- Ta acontecendo alguma coisa? - eu odiava essa pergunta, porquê era óbvio que estava acontecendo milhares de coisas, mas eu não queria falar sobre elas.
- Não - foi tudo o que eu disse. Ela me encarou mais alguns segundos, e eu levantei da mesa. Eu fui para o quarto pegar alguma roupa limpa, e ir pro banho. Mais um dia acaba para mim.

Se a minha animação para ir na escola pudesse ser medida em números, com certeza ela seria um número negativo. Eu devo ser a única pessoa do mundo que levanta, escova os dentes, veste a roupa e volta pra cama. Eu precisava me preparar psicologicamente para enfrentar o inferno. Eu saí de casa faltando três minutos para começar a aula. Eu raramente chegava no horário certo, ou antes. A primeira coisa que reparei ao entrar na sala - além do professor de física me olhando estranho por chegar atrasada de novo - foi que Caroline estava sentada no lugar ao lado do meu. Eu não sabia qual era o motivo daquilo tudo. Continuei os outros 40 minutos que se seguiram como eu sempre fazia, prestando minha total atenção na matéria, era assim que eu fazia para não pensar nela.
A primeira aula havia acabado, eu me levantei, e pra dizer ao certo não sei porquê fiz isso. Então eu senti alguém segurar meu pulso. Era ela.
- Ei, eu acho que precisamos conversar.

Algo Sobre Ela, e EuOnde histórias criam vida. Descubra agora